É comum se ouvir falar que o País nunca esteve tão dividido. De fato, se os termômetros forem as pesquisas de intenção de voto para a eleição que teremos daqui a pouco mais de três meses, vê-se que estão em extremos opostos as alternativas que mais encontram eco na população. Aliás, nem precisa de pesquisa: basta ver os debates corriqueiros no Facebook.
A divisão não é, a rigor, algo ruim, se considerarmos como um reflexo da democracia. Se temos assegurado o direito à liberdade de pensamento e de expressão, é natural (e saudável) que não concordemos em tudo. Toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues.
Me preocupo, no entanto, com aquilo que não deveria nos dividir. Um exemplo bem próximo: na quarta-feira, um homem foi morto após tentar assaltar uma relojoaria no Centro de Santa Cruz. Não costumo me envolver com casos policiais, mas estive no local – a poucos passos de onde trabalhamos – e a imagem do corpo estendido na rua era chocante. E em meio aos curiosos que se amontoavam por ali, já se projetava o que viria na sequência: uma discussão histérica nas redes sociais sobre quem era a verdadeira vítima da situação e, vejam só, se a morte foi ou não justa. Dito e feito.
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Não cabe a mim julgar a opinião de ninguém, mas me surpreende que um episódio assim dê margem para esse tipo de embate, pelo simples motivo de que não há, realmente, dois lados. Da vida perdida ao comerciante que não vê saída senão armar-se para proteger a própria integridade e patrimônio, nada disso é justo e tudo é consequência das mesmas doenças sociais. Em algum grau, ambos são vítimas, assim como todos nós. Mas ao defender uma ou outra versão da história, arruma-se justificativas para uma situação injustificável do início ao fim.
Parece que, em algum momento de nossa conturbada história recente, deixamos o cansaço e ímpeto ideológico passarem à frente da sensibilidade. Veja o caso Marielle Franco, que completou 100 dias essa semana: será que é preciso gostar dela ou ser de esquerda como ela para entender o quão sério é uma vereadora no exercício do mandato ser executada em uma cidade controlada por milícias? Será que é preciso olhar o RG ou a bandeira de uma pessoa antes de chegar à conclusão óbvia de que a violência não se justifica?
Meu ponto é: há situações que deveriam não nos dividir, mas nos aproximar, já que todos somos, direta ou indiretamente, atingidos pelos mesmos problemas. Além de cruel, discutir se bandido bom é ou não bandido morto é andar em círculos. Sei não, mas quando arranjamos desculpas que nos fazem conformar com corpos estirados por aí, sinto que algo está muito errado conosco.
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