A força da água que avançou sobre ruas do Bairro Baixada, em Sobradinho, mais distantes do leito do Arroio Carijinho mostra que a enchente do fim de abril e início de maio foi diferente das anteriores. Residindo na Rua Alfredo Wilke, a família de Carine Limberger da Silva, assim como a de muitos moradores, foi acordada pela abrupta subida da água, que não deu muito tempo para administrar a situação. Ela, que mora com o marido Airton Henker e a filha mais nova no segundo andar, não chegou a ter a casa invadida, porém viu a filha mais velha, Luiza, e o genro Anderson, no andar de baixo, perderem quase tudo, e a moradia de sua mãe Iria, na parte da frente do terreno, se transformar em escombros.
Para quem avista da rua, o cenário parece de filme. São casas com poucas ou nenhuma parede em pé. Móveis e eletrodomésticos que antes tinham espaço medido dentro de casa e agora se misturam com as árvores. Roupas, como um vestido de festa com barro, pendurado no que sobrou de uma cerca. Restos daquilo que era tudo para quem dedicou suas vidas a trabalhar e, aos poucos, construir e mobiliar.
Conforme conta Carine, a chuva intensa da segunda-feira, 29 de abril, já tinha feito a água que se acumulou não ter para onde escoar e adentrar o imóvel da filha, formando uma lâmina, mas sem danificar a mobília. Contudo, com a continuidade da chuva, ao longo da noite o volume tornou-se muito maior. “Quando era por volta da uma hora da madrugada, começou a cair pedra de granizo. Então já não dormi mais, fiquei com o olho aberto. Um tempo depois a mãe ligou que estava entrando água na casa dela. Levantei e liguei para a Luiza. A água também já tinha entrado na dela. Foi um susto, algo que vai ficar marcado a vida toda.”
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A irmã de Carine, Caroline, que tinha também parte de suas recordações de vida junto à casa da mãe, ficou sabendo de longe do ocorrido. Com os acessos dificultados pelos danos nas rodovias, conseguiu visitar a família apenas no fim de semana do Dia das Mães, e quase ficou impossibilitada de retornar.
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Da casa de Iria, restou muito pouco. Foi apenas aquilo que deu tempo de remover antes da água tomar conta da casa. “Salvamos apenas algumas roupas que voltei buscar depois da primeira cheia, pela manhã, e que estavam na parte de cima do guarda-roupas. O edredom e travesseiros que enrolei de cima da cama, e o micro-ondas. Foi o que deu para tirar. A geladeira colocamos em cima do fogão a lenha, ficando fixa entre o forro e o fogão, mas não adiantou, a água derrubou. Quando voltei para buscar os documentos dela, a água já estava subindo rápido novamente, e as duas portas se trancaram comigo lá dentro. Tive que fazer muita força para conseguir abrir. Nisso eu já não conseguia mais sair sozinha, então meu marido me pegou pelo braço”, revela Carine.
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De acordo com Luiza, da sua casa também foram poucos móveis e eletrodomésticos que conseguiram retirar. “O notebook que estava em cima da cama, algumas roupas, o micro-ondas e a geladeira, que carregaram escada acima.” Do despertar até a água provocar tamanho estrago, conseguiram retirar os carros e moto das garagens e levar um pouco adiante na rua, mesmo assim a água os alcançou. “O meu voltou a funcionar, mas o carro da Luiza está na oficina. Para arrumar, se for possível, vai ser preciso no mínimo uns 5 mil reais”, menciona Carine.
Elas também lembram que ao ouvir os gritos das pessoas pedindo por socorro, seus maridos também foram ajudar a resgatá-las, e, quando estavam retornando para casa, a correnteza já estava muito forte, necessitando amarrar uma mantinha na grade da escada para segurarem e conseguirem subir. “Enquanto a casa da frente caía, ficamos rezando para a nossa aguentar, pois estávamos todos no segundo andar. O medo era que com os escombros batendo nas paredes, a estrutura fosse danificada e também se partisse”, contam.
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Depois da água baixar e voltar para uma segunda cheia, saíram todos de casa e foram para casas de familiares. Ao retornarem, para verificar a situação na quarta-feira, dia 1º, a água que havia baixado, foi subindo novamente. “Parte da família então voltou para nossa casa na quinta, para trabalhar, e outros na sexta-feira”, salienta Carine. Ela destaca que é algo que jamais imaginaram passar. “É só rezar mesmo pela vida, porque naquele momento as coisas se vão. A gente tentou ir salvando, mas quando vimos que a água estava subindo, não tinha mais o que fazer.”
Luiza e Anderson se mudaram para um apartamento. A mãe de Carine para outro, emprestado por uma amiga da família. “A mãe retornou apenas duas semanas depois, e viu como havia ficado. Eram coisas que comprou com o suor do trabalho, que escolheu. Eram fotos, quadros na parede, recordações de muitos momentos”, ressalta.
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Apesar da situação, Carine ressalta que o que mais a deixou emocionada foi a ajuda das pessoas. “A Carol fez uma vaquinha on-line e já conseguiu algum valor para ir comprando algumas coisas para a mãe. Amigos e conhecidos que entraram em contato e pediram pra gente passar o Pix, pois queriam ajudar de alguma forma. Pessoas que doaram ou emprestaram mobílias para ir levando, até conseguir ir adquirindo, aos poucos. Familiares que ajudaram nos recebendo na casa, e até mesmo a levar as roupas com lama para lavar e com comida pronta, enquanto tentávamos ir limpando. Parentes que pagaram o aluguel para a Lu poder começar. Os vizinhos que ajudaram com água. Voluntários que passaram para ajudar na limpeza, pois a gente nem sabia por onde começar. Colegas de trabalho, que também vieram ajudar. Tinha gente que passava aqui em frente e se disponibilizava. Pessoal da Prefeitura passando com marmitas, água, com leite, pãozinho. Gente que veio de fora trazer doações, e trouxeram também lanche, um docinho. Não é que não tivéssemos as coisas, mas não tinha como fazer naquele momento, com falta de água. Era emocionante ver toda essa ajuda. Um abraço de tu estar ali, naquela situação, sem saber por onde começar, e ver a solidariedade.”
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