O Brasil entrou novamente em convulsão na semana passada, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância que permitiu a soltura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) após um ano e sete meses de cárcere em Curitiba (PR). Os acontecimentos, porém, ainda geram muitas dúvidas e desinformação.
Comemorado por alguns e criticado por outros, o julgamento do STF centrou-se em três ações que pediam que fosse declarado constitucional o artigo 283 do Código Penal, segundo o qual ninguém pode ser preso se não houver sentença condenatória transitada em julgado (ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos). Com isso, alterou-se um entendimento da própria Corte que estava vigente desde 2016.
Com base nessa decisão, a defesa de Lula obteve autorização para sua soltura – ele estava preso desde abril do ano passado por ter sido condenado na ação referente ao triplex do Guarujá. Também após o julgamento no STF, frentes no Congresso Nacional passaram se movimentar para acelerar a tramitação de propostas que alteram a Constituição para permitir a prisão em segunda instância.
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A partir de dados oficiais e com a ajuda do professor de Direito Constitucional Ricardo Hermany, a Gazeta explica o que é verdade e o que não é entre as muitas informações que circulam a respeito do assunto.
A checagem das informações
Agora que está solto, Lula poderá ser candidato a presidente.
Embora tenha sido solto graças à decisão do STF sobre prisão em segunda instância, Lula permanece impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa – que torna inelegíveis pessoas condenadas por órgãos colegiados. Isso significa que ele não poderá ser candidato, a não ser que consiga reverter a condenação que sofreu no Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) no caso do triplex do Guarujá e se não for condenado em outro processo.
Lula não poderá mais ser preso.
Se não conseguir reverter a condenação pelo caso do triplex, Lula será preso após o processo transitar em julgado. O ex-presidente também é réu em outras sete ações penais nas quais responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa – incluindo a do sítio de Atibaia (SP), na qual já foi condenado em primeira instância em fevereiro a 12 anos e 11 meses de prisão.
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Com a decisão do STF, ninguém mais poderá ser preso antes do trânsito em julgado.
Mesmo com o fim da prisão em segunda instância, permanece a possibilidade de prisão preventiva. Ou seja, a Justiça pode entender que um réu ainda não condenado deve responder preso ao processo se houver risco de fuga, destruição de provas ou coação de testemunhas, por exemplo. Há também outras situações em que alguém pode ser preso sem trânsito em julgado, como prisão em flagrante e prisão temporária.
Com o fim da prisão em segunda instância, mais de 190 mil presos poderão ser soltos.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de presos que poderão ser soltos com o fim da prisão de segunda instância é de 4,8 mil. O próprio CNJ havia divulgado um dado de 190 mil, mas isso se refere ao total de pessoas presas sem trânsito em julgado, o que inclui as prisões cautelares – que não são afetadas pela decisão do STF.
Se for alterada a Constituição, Lula poderá se preso novamente.
Juristas divergem sobre os efeitos da PEC, caso seja aprovada. Alguns entendem que ela valeria para réus cujos processos já estão em andamento, como é o caso de Lula – e que, portanto, poderiam retornar à prisão. Já outros entendem que, devido ao princípio segundo o qual uma lei não pode retroagir a não ser em benefício do réu, a regra só valeria para processos iniciados após a sua aprovação. Provavelmente, isso também dependeria de uma decisão do STF.
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Um processo só transita em julgado depois de passar pela última instância da Justiça.
Um processo só avança quando uma das partes entra com recurso. Se alguém for condenado em primeira instância e não houver recurso, o processo é encerrado. É o que acontece na maioria dos processos, segundo o CNJ.
O STF mudou de entendimento sobre a prisão em segunda instância.
Desde fevereiro de 2016, o entendimento do STF era favorável à execução da pena após condenação em segundo grau. Foi o que permitiu a prisão de Lula e de outros condenados pela Operação Lava Jato. Com a decisão da semana passada, o STF mudou de posição e não autoriza mais a prisão em segunda instância.
O STF pode mudar de entendimento de novo.
O placar da votação da semana passada foi apertado: 6 votos a 5. Isso significa que, se a composição da corte mudar e o assunto retornar à pauta, o STF pode adotar um novo entendimento. A hipótese nem é tão remota: o ministro Celso de Mello, que votou contra a prisão em segunda instância, vai se aposentar compulsoriamente em novembro do ano que vem.
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A possibilidade de prisão em segunda instância pode ser resgatada por decisão do Congresso.
O Senado deve votar nos próximos dias uma proposta de emenda constitucional (PEC) que autoriza a prisão em segunda instância. Entretanto, alguns juristas vêm alertando que essa PEC violaria o princípio da presunção de inocência, que é cláusula pétrea da Constituição e serviu de base para a decisão do STF. Assim, para se resgatar a prisão em segunda instância via Congresso, seria necessária uma nova Constituição. Portanto, mesmo se a PEC for aprovada, o STF terá que decidir sobre a sua legitimidade.
Com o fim da prisão em segunda instância, qualquer pessoa cujo processo não tenha trânsito em julgado poderá ser solta, inclusive traficantes, assassinos e estupradores.
Na grande maioria dos casos, pessoas que respondem por crimes hediondos são consideradas perigosas e, por isso, têm prisão preventiva decretada. Além disso, o STF deve julgar nas próximas semanas se os condenados por tribunais de júri (que julgam casos de crimes contra a vida) podem ou não recorrer em liberdade.
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