Após a Justiça determinar o afastamento liminar de André Scheibler (PSD) na semana passada, o promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, responsável pela investigação que levou ao ajuizamento de duas ações contra o vereador, disse que a denúncia é a “mais grave” envolvendo a Câmara de Santa Cruz do Sul até agora.
Quarto alvo da Operação Feudalismo, Scheibler e outras cinco pessoas – incluindo a secretária municipal de Habitação, Aretusa Scheibler – respondem por um conjunto de situações que incluem um suposto esquema de “rachadinha”, manutenção de “assessores fantasmas” na Câmara e uso de veículos, materiais e servidores da Prefeitura em uma obra particular. A Gazeta do Sul teve acesso aos detalhes da denúncia, cujo sigilo foi levantado pela Justiça (veja quadro).
Em entrevista na manhã dessa segunda-feira, 11, Barin disse que a investigação contra Scheibler apontou práticas irregulares por períodos mais longos e envolvendo valores maiores, em comparação aos casos anteriores. A denúncia que levou Paulo Lersch à prisão em junho do ano passado, por exemplo, apontou que o então vereador arrecadou cerca de R$ 60 mil em parcelas de salários de assessores em cerca de um ano. No caso de Scheibler, o MP encontrou evidências de que os recolhimentos ocorreram por cerca de nove anos, entre 2009 e 2018, com valores que chegariam a R$ 345 mil. Na entrevista, Barin também disse que as investigações levaram a uma “mudança de ótica” por parte de servidores que são vítimas desses esquemas.
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OS DETALHES DA INVESTIGAÇÃO
Rachadinha
O suposto esquema de captação de salários de servidores instalado no gabinete de Scheibler foi confirmado por um exassessor, Douglas Batista Helfer, e por um atual assessor do vereador, Mario Kistenmacher. Helfer trabalhou na Câmara por nove anos e, segundo o depoimento, durante seis anos recolheu entre 40% e 50% de seus vencimentos ao vereador. Conforme ele, Scheibler passou a exigir as parcelas alegando que precisava ajudar “apoiadores políticos”. Já Mário atua na Câmara desde 2013 e relatou ter repassado valores ao vereador desde o início até por volta de outubro de 2018, quando solicitou que fosse dispensado da obrigação devido a problemas financeiros. De acordo com ele, Scheibler afirmava que a cobrança serviria “para fazer caixa para a campanha”.
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Assessores fantasmas
Segundo a denúncia, dois ex-assessores de Scheibler, Luiz de Oliveira e Éder Joel Schmidt, mantinham atividades privadas no horário em que deveriam atuar pela Câmara. Com base em interceptações telefônicas, o MP apontou que Luiz passava a maior parte do tempo envolvido com o cultivo de tabaco em sua propriedade em Linha João Alves. A infrequência dele foi confirmada por pelo menos três pessoas, incluindo dois ex-assessores de Scheibler. Já Eder atuava em uma padaria em Venâncio Aires e em uma loja de peças e acessórios para veículos em Linha Saraiva. Ambos deixaram os cargos em outubro de 2018. “O vereador André Francisco Scheibler permitiu que seus assessores parlamentares sequer se dignassem a comparecer na Câmara de Vereadores, apropriando-se, com eles, das remunerações públicas, sem que nada fizessem em termos de atribuições do cargo ou em prol do interesse público”, diz a ação.
Uso de patrimônio público
A denúncia partiu de uma reportagem publicada em outubro do ano passado pela Gazeta do Sul, quando um caminhão da Secretaria Municipal de Habitação foi flagrado despejando uma carga de terra em um terreno no Bairro João Alves que pertence a Marcelo Scheibler e Débora Reichert de Oliveira – respectivamente, filho e nora do vereador. Uma kombi e uma retroescavadeira do Município também estavam no local. Com base em depoimentos de servidores municipais, porém, a investigação concluiu que pelo menos 11 cargas foram levadas até o terreno. Uma testemunha também afirmou ter visto Scheibler pessoalmente no local no momento em que os veículos da Prefeitura circulavam por ali.
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Substituto de Scheibler testemunhou contra ele no inquérito
Com o afastamento, o segundo suplente da bancada do Solidariedade – partido pelo qual Scheibler se elegeu em 2016 – assumiu sua cadeira na Câmara. Trata-se do ex-subprefeito de Linha Santa Cruz João Domingos Cassepp Filho, que está filiado desde o início do ano ao PSDB e tomou posse durante a sessão virtual de ontem à noite.
O novo vereador está entre os que prestaram depoimento ao Ministério Público no processo de Scheibler e confirmou as irregularidades atribuídas a ele. Uma delas diz respeito aos supostos “assessores fantasmas”. Segundo a denúncia, Cassepp afirmou que “Luiz de Oliveira pouco aparecia na Câmara de Vereadores para trabalhar, assim como Eder Joel Schmidt, que comparecia apenas nos dias de reunião”.
Em outro trecho da denúncia, consta que Cassepp também confirmou que Mario Kistenmacher repassava parte dos salários a Scheibler. Cassepp disse ainda que soube por Kistenmacher que ele havia denunciado a situação ao MP.
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Subprefeito à época do episódio do terreno em João Alves, o tucano também afirmou que a secretária de Habitação Aretusa Scheibler sabia dos carregamentos de terra até o terreno da nora do vereador. Segundo a denúncia, Cassepp alegou que Luiz de Oliveira “não faria trabalho algum sem a ordem dela”.
Cassepp foi convocado após a primeira suplente, Solange Finger, abrir mão de assumir. À Gazeta do Sul, Solange, que também é investigada pelo MP, alegou que não tem interesse em deixar o cargo que ocupa na Secretaria de Transportes.
Entenda: por que Paulo Lersch foi preso e os outros não?
Desde junho do ano passado, quatro vereadores de Santa Cruz viraram réus. As denúncias têm algo em comum: todos são acusados de manter esquemas de “rachadinhas” em seus gabinetes. As medidas adotadas contra eles após o ajuizamento das ações, no entanto, variam. Paulo Lersch, o primeiro da série, além de ter sido afastado da Câmara, foi preso preventivamente. André Scheibler (PSD) foi apenas afastado, enquanto Elo Schneiders (PSD) e Alceu Crestani (PSD) seguem nos cargos. A diferença de tratamento é motivo recorrente de dúvida na comunidade.
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Conforme o promotor Érico Barin, a explicação está no conteúdo das investigações. O caso de Lersch foi o único em que houve pedido de prisão preventiva – que é uma medida excepcional aplicada quando há risco à garantia da ordem pública ou ao andamento do processo. Dias antes da prisão, o Ministério Público descobriu Lersch tentou coagir assessoras que haviam prestado depoimento à Promotoria confirmando as irregularidades. “Verificouse que ele não só tinha cometido aqueles crimes, mas estava agindo para tentar fazer com que as duas vítimas aderissem a uma versão defensiva que ele iria montar com os advogados. Isso foi determinante para a prisão”, explicou Barin.
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Nos demais casos, não houve indício de tentativa de interferência por parte dos vereadores. Na decisão em que determinou o afastamento de Scheibler do cargo, a juíza Lisia Dorneles Dal Osto considerou dois aspectos. O primeiro é a “lesividade e complexidade dos fatos apurados e a multiplicidade de pessoas envolvidas”. O segundo é o fato de, até então, Scheibler integrar a comissão responsável por conduzir o processo de cassação de Schneiders na Câmara. Conforme ela, o afastamento tornou-se necessário para “garantir a lisura da comissão”.
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Em relação a Schneiders, a Justiça negou em dezembro o seu afastamento, que chegou a ser solicitado pelo MP. À época, a juíza da 1ª Vara Cível, Josiane Estivalet, alegou justamente que não havia risco “concreto, efetivo e evidente” ao andamento do processo. Já no caso de Crestani, o MP não chegou a tentar afastá-lo. Por conta disso, ambos continuam atuando no Legislativo.
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