Começaram nessa sexta-feira, 6, as audiências de instrução do caso que marcou a crônica policial em Santa Cruz do Sul em 2024. Presidida pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse, a sessão, que começou às 13h45 na 1ª Vara Criminal do Fórum, tratou sobre o esquema de desvios de verbas, doações e cestas básicas da Associação de Auxílio aos Necessitados (Asan). Testemunhas de defesa e de acusação foram ouvidas.
Estiveram presentes ainda os quatro réus no processo – Marco Antonio Almeida de Moraes, de 49 anos, que era administrador da Asan e está preso preventivamente; seu filho Marco Antonio Reis de Moraes, de 24, apontado como proprietário da MA Construtora; Vilmar de Matos, de 42 anos, que é funcionário da MA Construtora; e Jaime Adalberto Pritsch, de 52, dono de um açougue em Vera Cruz.
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Para esse último, logo no início da sessão, foi proposta a suspensão condicional do processo, mediante algumas circunstâncias aceitas pelo acusado, como a destinação de dois salários mínimos para o lar de idosos, comparecimento pessoal ao juizado para informar atividades e a proibição de se ausentar da comarca. A juíza Márcia oficializou um período de dois anos para que Pritsch cumpra essas condições. Do contrário, será aberto procedimento contra ele.
Atual presidente da Asan, Rodolfo Eidt acompanhou a audiência ao lado da advogada da entidade, Liane Modesto. Samara Dorfey estava fazendo a defesa de Marco Antonio Almeida de Moraes, que foi levado ao Fórum em escolta da Polícia Penal. O criminalista Luiz Carlos Rech defendeu Marco Antonio Reis, Vilmar e Jaime, três acusados que estão em liberdade. O autor da denúncia, promotor Gustavo Burgos de Oliveira, representou o Ministério Público (MP).
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Um dos depoimentos mais marcantes da audiência foi o de Ana Beatriz Steffanello, de 66 anos, a dona Ana, como é conhecida pelos idosos da Asan, instituição na qual trabalha há 45 anos. Ela sempre foi responsável por cuidar dos benefícios a serem recebidos pelos idosos. Em sua fala à juíza, detalhou como funcionava o trabalho e principalmente o que mudou nos últimos anos, a partir do ingresso dos investigados no local.
Dona Ana contou um episódio em que o coordenador Marco teria interferido no repasse de um valor restante da conta de um idoso que havia falecido no primeiro semestre deste ano. “Ele não deixou eu dar o dinheiro para a família, que queria pagar o velório, e tinha sobrado R$ 2 mil. Depois que tudo aconteceu [investigação], eu chamei a família e repassei o dinheiro.”
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Outra revelação foi feita pelo técnico de enfermagem Braulio da Silva Lopes, de 39 anos. Ele falou sobre as refeições dos idosos, com pouca variedade de alimentos, a maioria à base de ovo, mesmo com doações sendo recebidas de empresas do ramo alimentício. “Foi recebida uma doação de 500 quilos de carnes da Friboi. Só cortes nobres, de gado, como costelão e alcatra, que foram guardados. Em menos de três dias, tudo tinha sumido e os idosos não comeram nada”, afirmou.
Levantado como informação apurada pela Polícia Civil no decorrer do inquérito, o fato de que o grupo investigado desviou mantimentos da Asan para destinação ao acampamento ocupado por manifestantes em frente ao quartel – que funcionou entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, após as eleições presidenciais – ganhou detalhes a partir do depoimento de Diogo Rafael Guedes, de 36 anos. Ele é o atual administrador da Asan e trabalhava na entidade há oito anos, mas foi afastado pela gestão dos investigados. “Em pelo menos três oportunidade eu fui como motorista, junto com o então presidente, coronel Wilson, levar cestas básicas que eram organizadas, deixadas prontas no estoque, para levar para a frente da manifestação”, contou.
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Ele ainda descreveu o perfil de Marco Antonio Almeida de Moraes. “Era centralizador e dominador. Tudo tinha que passar por ele”, afirmou. Já a contadora Isabel Rodrigues, de 50 anos, detalhou as movimentações financeiras que tinha visto nas contas da Asan, e que havia alertado os gerentes sobre os fatos, recebendo justificativas consideradas suspeitas.
Com riqueza de detalhes, a delegada Raquel Paim da Silva Schneider, a comissária Camila Moraes Pavani e o inspetor Eduardo Moura Ribeiro explicaram o passo a passo da investigação. Raquel ainda trouxe uma informação que seria crucial para manter a prisão preventiva de Marco Almeida de Moraes. Segundo ela, foram apuradas informações de que o investigado pretendia deixar o Estado e se mudar para Santa Catarina, onde já estariam algumas pessoas de sua confiança.
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Esse foi um dos pontos do MP para ir contra a revogação da prisão preventiva de Marco, solicitada pela advogada Samara. Além desse argumento, o promotor relembrou que o acusado supostamente estava coagindo testemunhas no curso da investigação, fato determinante para o pedido de preventiva. E como pelo menos outras duas testemunhas devem depor na próxima audiência, mantinha-se a justificativa para a manutenção da preventiva.
A juíza Márcia concordou com os argumentos do MP e indeferiu o pedido de soltura do réu. Por fim, a advogada do preso solicitou um pedido de perícia contábil para estipular de forma concreta os valores apontados nas investigações. Ao final da sessão, Marco Antonio Almeida de Moraes voltou ao Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, onde deve aguardar chamado para a próxima audiência, que irá ocorrer em 2025, quando os réus devem prestar depoimento.
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Os delitos investigados no Caso Asan são associação criminosa, emissão de notas fiscais falsas, estelionato, falsidade ideológica, falsa identidade e apropriação de bens e rendas de idosos. Além dos quatro citados na audiência de sexta-feira, para outras dez pessoas indiciadas pela polícia, o MP propôs o chamado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Isso acontece pelo fato de elas serem primárias e terem praticado crimes que são considerados menos graves. Por isso, essas pessoas, às quais a lei prevê que tenham direito a esse acordo com a justiça criminal, serão chamadas para uma audiência judicial, para fins de proposta de acordo que envolverá pagamento de prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade – vedada a prestação de serviço na Asan – por alguns meses.
O embrião da fase investigatória do Caso Asan foi em 3 de julho, quando o MP fez requisição à polícia solicitando investigação. Durante um mês e meio, os agentes, chefiados pela delegada Raquel Schneider, checaram informações e apuraram indícios de que irregularidades estariam acontecendo. Após analisar provas, organizou-se uma primeira ofensiva em 19 de agosto, quando sete mandados de busca foram cumpridos. Marco Antonio Almeida de Moraes foi preso em flagrante por posse irregular de arma de fogo de uso permitido.
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Após análise nos materiais e mídias apreendidos na primeira ofensiva, a Polícia Civil cumpriu nova ação, em 17 de setembro. Desta vez, mais uma servidora foi afastada. A derradeira operação ocorreu dia 30 de setembro, quando Moraes foi preso preventivamente. Em coletiva de imprensa realizada em 10 de outubro, a Polícia Civil confirmou o desvio total de R$ 1.821.975,10 em dinheiro do lar de idosos, que conta com 75 residentes e fica na Rua Padre Luiz Müller, Bairro Bom Jesus.
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