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O que aprendemos em um ano de distanciamento

I mposta pela pandemia, a necessidade de distanciamento físico alterou profundamente a rotina de toda a população. Eventos foram riscados do calendário, o home office foi adotado em larga escala no mundo corporativo e até pequenas reuniões familiares vêm sendo desencorajadas, sobretudo após os índices de contágio atingirem níveis alarmantes nas últimas semanas. Passado um ano desde que os primeiros decretos com restrições de mobilidade foram editados, a adesão da população ao recolhimento continua baixa.

Embora políticas de bloqueio severas não encontrem apoio na sociedade devido ao evidente custo econômico, a ciência tem convicção da efetividade do distanciamento e da redução da circulação para combater a transmissão. Como a cobertura de vacinação ainda é muito limitada, essas medidas são, segundo especialistas, as únicas armas de que dispomos para enfrentar o vírus, combinadas à higiene de mãos e uso correto de máscaras de qualidade.

Segundo o professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Fredi Quijano, tudo indica que as restrições estabelecidas ao longo do último ano adiaram o pico de contaminações registrado nos últimos dias. Isso significa que, não fossem as medidas adotadas desde março de 2020, o colapso no sistema de saúde e a disparada no volume de mortes teriam vindo antes. Esse tempo foi fundamental para que mais pessoas chegassem a ter condições de se imunizar, sobretudo idosos. “Muitos dos que agora conseguem se vacinar talvez não tivessem sobrevivido se tivéssemos deixado a pandemia rolar sem nenhuma restrição”, observa.

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Para Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela Ufrgs, o recente agravamento da crise está diretamente ligado ao relaxamento da população em relação aos protocolos, sobretudo durante o período de Carnaval, em que, como acontece todos os anos, houve grande concentração de pessoas de diversas regiões nos litorais. “Essas pessoas fizeram o vírus circular intensamente e depois voltaram para suas cidades, fazendo um espalhamento”, analisa o pesquisador.

O quadro é semelhante ao verificado após o verão europeu, quando também houve um repique de casos, e reforça o caráter fundamental do distanciamento. “Quando falamos em aglomerações, não falamos apenas de junções de 200 ou 300 pessoas. Em termos de transmissão, meia dúzia de pessoas de diferentes núcleos familiares que se reúnem para tomar um cafezinho já fazem com que o vírus circule”, explica. Ele pondera, no entanto, que parte das aglomerações registradas diariamente não se dá por imprudência e sim por necessidade – pessoas que precisam se deslocar para trabalhar, por exemplo. (Colaborou o repórter Iuri Fardin)

Adesão baixa explica demora na reação, diz pesquisadora
O fato de o Rio Grande do Sul, assim como diversas outras regiões do Brasil, estar sob alerta máximo há três semanas e os índices de contágio, internações e mortes ainda não terem recuado suscitou questionamentos quanto à real efetividade do distanciamento.

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Segundo a epidemiologista e professora da Escola de Enfermagem da Ufrgs , Mariur Beghetto, a ausência de uma reação está ligada à adesão da população às orientações, que, mesmo sob protocolos mais rígidos, é muito inferior à da primeira fase da pandemia. Isso é evidenciado por ferramentas que monitoram os índices de mobilidade mediante tecnologias de geolocalização. Segundo a empresa de tecnologia Inloco, que mantém uma dessas ferramentas, o índice de isolamento social no Rio Grande do Sul hoje é de 33,7%. “Uma coisa é o que se recomenda às pessoas fazerem, outra é o que as pessoas fazem. Por diversos fatores, o número de pessoas que estão restritas ao seu domicílio ou só saem para atividades essenciais diminuiu substancialmente ao longo do último ano”, observou Mariur.

Ainda segundo a pesquisadora, apesar das repercussões econômicas que não podem ser desconsideradas, a experiência de países que adotaram confinamento mostrou-se efetiva, com achatamento na curva de contágio e reflexo no volume de internações após cerca de três semanas.

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ENTENDA POR QUE O DISTANCIAMENTO FUNCIONA

  1. Uma pessoa contaminada transmite o novo coronavírus por meio de gotículas de saliva e aerossóis que são expelidos ao espirrar, tossir ou simplesmente falar, que flutuam no ambiente. Essas secreções penetram no trato respiratório por meio das narinas, da boca e dos olhos.
  2. Quanto mais perto uma pessoa contaminada estiver de outra, maior é a chance de essas gotículas chegarem até ela. Um dos principais problemas é que, como assintomáticos também transmitem, o risco de pessoas que sequer sabem que estão infectadas passarem o vírus é muito grande. Por isso o distanciamento é tão importante, assim como o uso de máscaras.
  3. Reduzir a circulação também impede que pessoas eventualmente contaminadas carreguem o coronavírus para lugares onde ele ainda não circula. O recolhimento ajuda a evitar a proliferação do vírus.
  4. Outra forma de contágio se dá quando uma pessoa toca em uma superfície contaminada e depois leva a mão ao rosto. Além da higienização constante das mãos, a redução da mobilidade é fundamental para evitar que o vírus chegue a mais lugares

Transmissão entre coabitantes: por que uns pegam e outros não?
Apesar do efeito decisivo do contato físico para a propagação do vírus, casos de pessoas contaminadas que não transmitiram para seus coabitantes têm sido relativamente comuns. Mas se o contágio ocorre de forma tão intensa nas ruas, como pode um infectado não transmitir para alguém com quem divide o mesmo teto – e, portanto, mantém um contato muito mais intenso?

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Segundo especialistas, essa é uma questão ainda não plenamente respondida pela ciência, e isso serve também para outras viroses. Segundo a epidemiologista Mariur Beghetto, a rigor, o contágio dentro dos domicílios é mais intenso do que em ambientes abertos ou mesmo em alguns locais fechados – como ambientes de trabalho, onde a proximidade física não é tão grande. Como em suas casas as pessoas costumam ficar mais próximas por períodos mais longos, o risco se torna maior.

Segundo o doutor em Epidemiologia Paulo Petry, porém, uma das possíveis explicações para situações em que um infectado não contamina o coabitante está na carga viral – ou seja, a quantidade de vírus que o doente transmite. Habitualmente, pessoas que apresentam sintomas leves ou são assintomáticas têm carga viral menor. Além disso, é comum que, ao apresentar sintomas ou positivar, a pessoa adote medidas protetivas, como redução de contato, o que faz com que os outros moradores fiquem menos expostos.

Outro fator envolve a imunidade intrínseca da pessoa exposta ao vírus. “A pessoa pode estar, naquele momento, com uma imunidade boa. E se a exposição viral é baixa, ela consegue, de alguma maneira, não ficar doente”, observa Mariur. Ainda de acordo com a pesquisadora, pode haver explicações genéticas para o fenômeno, mas isso ainda não está comprovado. “O que se sabe é que quanto mais uma pessoa se expõe a um ambiente onde tem alguém doente, maior é o risco de ficar doente. Por isso, os profissionais de saúde adoecem mais do que a população em geral”, frisou.

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“Na verdade, todos têm a sua parte nessa situação”
Embora a recente disparada no contágio seja associada às aglomerações do fim do ano e do Carnaval, a chefe da divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Tani Ranieri, afirma que esse avanço é determinado por vários fatores, e que não se pode apontar somente um deles como o principal.

Tani destaca que os índices de isolamento social superiores a 50% vistos no ano passado foram os grandes responsáveis por frear o avanço do vírus. “Nós chegamos a ser o estado do Brasil com a menor incidência de mortalidade. Provamos naquela ocasião que, com a participação da população e ações técnicas apoiadas politicamente, era possível conseguir bons resultados.” Contudo, a inexistência de um tratamento eficaz para a Covid-19 e a demora na vacinação, juntamente com o relaxamento da população em respeitar os protocolos de distanciamento, higiene e uso de máscara, são alguns dos responsáveis pelo contexto atual.

“Passado um ano, nós ainda precisamos trabalhar para que as pessoas tenham o comportamento desejado. Todo mundo quer achar um culpado, quando, na verdade, todos têm a sua parte nessa situação. Se uma dessas parcelas não tiver participado ativamente no processo, teremos uma quebra e o produto disso é o que estamos vendo agora”, afirma Tani. Segundo ela, as ações técnicas e os esforços dos governadores e prefeitos têm pouco efeito se a população não se conscientizar da gravidade do momento. “Somos hoje o pior estado do Brasil em ocorrência de casos.”

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Modelo adotado em Araraquara foi radical: por cinco dias, nem os supermercados do município puderam abrir

Em cidade paulista, confinamento derrubou o contágio
Experiências pontuais mostram que, apesar do custo econômico, confinamentos são eficientes para reduzir os níveis de transmissão. Um exemplo é o município de Araraquara, no interior paulista, que, após adotar lockdown por dez dias na segunda quinzena de fevereiro, viu a curva de contágio, até então ascendente, começar a cair.

A decisão pela saída radical foi tomada após um crescimento abrupto no número de casos confirmados a partir de 20 de janeiro, o que repercutiu no volume de internações hospitalares. Desde o início da pandemia, o município registrava uma média de 15% a 20% de amostras positivas por dia. Naquele período, porém, o índice saltou para mais de 50%. Por meio de parceria com um instituto de medicina de São Paulo, foi identificado que a variante P1, encontrada em Manaus, estava circulando no município e intensificou a transmissibilidade. “Chegamos à conclusão de que não tínhamos alternativa a não ser o lockdown. Abrimos novos leitos, mas não estávamos dando conta. Era um remédio amargo, mas necessário”, relatou à Gazeta do Sul a secretária de Saúde do município, Eliana Honain.

O confinamento se estendeu de 21 de fevereiro a 1º de março. Nos primeiros cinco dias, até supermercados ficaram fechados. Só funcionaram farmácias e serviços de saúde. Já nos últimos cinco dias, foi permitida a abertura dos comércios de alimentos – supermercados, padarias e açougues. Durante todo o período, o transporte público não operou e a fiscalização esteve nas ruas, inclusive com aplicação de multas.

Conforme Eliana, apesar da resistência de parte do setor empresarial, a adesão foi expressiva. Após a reabertura, o volume de casos positivados voltou aos patamares anteriores (21%) e já há sinais de redução nas internações – não há mais, por exemplo, fila de espera nas UTIs, embora o nível de ocupação siga alto. “Ainda não caiu o número de óbitos. Mas as pessoas que estão morrendo agora já estavam contaminadas antes do lockdown”, alegou a secretária. Com 238 mil habitantes, Araraquara registrava, na quinta-feira, 16,4 mil casos confirmados e 302 mortes.

Economia x saúde: há como equilibrar?
Para o professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Fredi Quijano, permitir a abertura de atividades econômicas e ao mesmo tempo garantir um ambiente seguro do ponto de vista da transmissão do vírus não é impossível, mas impõe desafios difíceis às empresas. Segundo ele, para não acelerar o nível de contágio, seriam necessárias muitas adequações nos espaços de trabalho. Além do uso de máscara por funcionários e clientes e a implantação de sinalizações para orientar o distanciamento físico, o ideal seria a adoção, por exemplo, de barreiras entre as pessoas – como folhas de acrílico, por exemplo, que vêm sendo usadas em algumas indústrias. Além disso, seria fundamental uma vigilância constante para garantir que todos se mantivessem a uma distância segura uns dos outros.

Por outro lado, Quijano questiona algumas das medidas que estão em vigor, como as restrições no horário de funcionamento dos supermercados. De acordo com ele, o mais adequado seria ampliar o horário para que a circulação fosse mais distribuída ao longo do dia.

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UM ANO DE RESTRIÇÕES
Março 2020 – Como uma forma de tentar controlar a disseminação do vírus em Santa Cruz do Sul, o então prefeito Telmo Kirst assinou um decreto em 19 de março determinando o fechamento de todo o comércio considerado não essencial no município. Os empresários, preocupados com o futuro, protestaram pela reabertura.
Abril 2020 – O decreto que determinava o fechamento do comércio não essencial vigorou até o dia 17 de abril. Diante da possibilidade de reabertura, os lojistas tiveram de se adaptar às diversas restrições impostas pelo governo do Estado. Também nesse mês, Santa Cruz do Sul confirmou o seu primeiro caso de Covid-19.
Maio 2020 – O governo do Estado cria o modelo de distanciamento controlado, que ficou popularmente conhecido por suas bandeiras. A bandeira amarela representava risco baixo; a laranja, risco médio; a vermelha, risco alto; e a preta, risco altíssimo. Com o passar do tempo, o modelo sofreria diversas mudanças em seus protocolos.
Junho 2020 – Depois de algumas semanas na classificação de risco baixo, Santa Cruz registra aumento na disseminação do vírus e também nas internações recebendo então a bandeira laranja e acendendo o alerta nos prefeitos da região para a possibilidade da cor vermelha, que naquele momento significava o fechamento do comércio não essencial.
Julho 2020 – Por três semanas consecutivas, a classificação preliminar definida pelo Estado foi a cor vermelha, que foi revertida por meio de recurso. Nesse mesmo período, os prefeitos já se mobilizavam por autonomia para determinar as restrições em cada município. O Piratini acolheu a demanda e iniciou as negociações.
Agosto 2020 – O Vale do Rio Pardo recebe, de forma definitiva, a bandeira vermelha. Naquele período, significava o fechamento do comércio não essencial, situação que se manteve por apenas dois dias. Isso porque foi criado o sistema de cogestão do modelo de distanciamento, que permitia flexibilização das regras.
Setembro 2020 – O Estado começa a dar sinais de estabilização e, com isso, o Piratini flexibiliza mais uma vez as restrições e inicia as negociações para permitir o retorno das aulas presenciais. O tema foi motivo de polêmica e até mesmo ações judiciais entre entidades sindicais representantes de professores e o governo do Estado.
Outubro 2020 – Com regras mais brandas, a aparente melhora da pandemia e o início de dias mais quentes, a população ignora as orientações de distanciamento social e lota as praças e parques nos fins de semana. O uso da máscara, ainda que obrigatório e passível de multa, é ignorado por muitas pessoas.
Novembro 2020 – O comportamento da população e as campanhas eleitorais deixam os especialistas em alerta para um novo aumento na disseminação do vírus na região. No final do mês, os recordes de registros de casos e óbitos em decorrência da doença já se mostravam efeito do relaxamento nos cuidados.
Dezembro 2020 – Os alertas das autoridades de saúde transformam-se em preocupação diante da escalada no número de casos e da crescente demanda por leitos de UTI. Depois de sete meses em vigor, o modelo de distanciamento social controlado tem as primeiras bandeiras pretas, para as regiões Covid de Bagé e Uruguaiana.
Janeiro 2021 – As primeiras semanas de janeiro registram recorrentes recordes de casos e mortes, dando o tom do que viria pela frente. Ao mesmo tempo em que a pandemia avança com velocidade nunca antes vista, a esperança de dias melhores se renova com o início da distribuição e aplicação das vacinas contra a Covid-19 na população.
Fev/Mar 2021 – As aglomerações vistas nas festas de final de ano e no carnaval, juntamente com a variante P1, fazem os indicadores da pandemia dispararem em fevereiro. Depois de 21 dias, o governador Eduardo Leite permite a reabertura do comércio não essencial por meio do retorno da cogestão do modelo.

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