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O quanto somos humanos?

Nos meus primeiros dias na escola, ainda em Rio Pardo, comentei com a minha mãe que um colega não tinha todos os materiais. Comovida, ela reuniu o que podia doar a ele. Lápis coloridos, giz de cera, borracha e tesourinha. Fui incumbida da tarefa de entregar tudo no outro dia. Um tanto constrangida, lembro que levantei da minha cadeira e depositei o estojo sobre a mesa dele. A professora disse para eu me sentar. Obedeci. 

No dia seguinte, minha mãe me acompanhava  junto à fila na porta da sala. Eu mostrei a ela quem era o coleguinha. Ela estranhou porque o garoto parecia não precisar de materiais. Tinha inclusive uma mochila bem bonita. No mesmo dia, eu constatei que tinha sido tudo um engano meu. Ele tinha, por sinal, materiais bem melhores do que aqueles que eu havia lhe dado. 

Por algum motivo, eu tinha achado que ele precisava de ajuda e pedido à minha mãe, que era sempre quem resolvia todos os meus problemas até então. Depois disso, por muito tempo, senti vergonha do meu gesto. Pensava em como o menino havia se sentido. Se tinha me achado maluca. Se tinha se constrangido. Minha memória nunca foi boa, mas recordo que demorei muito a entender o que aquilo expressava. 

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Uns vinte anos depois, caminhando por Santa Cruz, entrei em um mercado para comprar alguns alimentos para uma família, que pedia a quem passava do lado de fora. Na saída, encontrei meu irmão, que segue morando em Rio Pardo, mas por algum motivo estava por aqui. Conversei com ele por alguns minutos. Então ele me disse que tinha ido até uma padaria comprar pastéis para umas crianças. Andei até a tal família com as sacolas e encontrei todos comendo pastéis. 

Assim que saí dali, telefonei a minha mãe para contar o que havia acontecido. E, de certa forma, agradecer a ela ter nos feito compreender que tornamos a vida melhor quando não fechamos os olhos para as necessidades do outro. Quando somos humanos. Minha mãe sempre foi muito otimista. E ainda é. Para ela, tudo sempre vai terminar bem. Por isso, nos ensinou a não hesitar em compartilhar, mesmo que se tenha pouco. Depois tudo se ajeita.

Em meio a discursos odiosos e simplistas, acredito cada vez mais que o importante nessa vida é o quanto nos importamos com o outro. É isso que rege a forma como nos relacionamos com o mundo. É isso que nos faz humanos. Se a dor, a morte e o sofrimento alheio não nos comovem mais, deixamos de ser humanos. Então, nada mais terá sentido. 

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É claro que não podemos exterminar as desigualdades num toque de mágica. Mas também não podemos nos julgar boas pessoas se  convivemos com a miséria alheia, sem que isso nos incomode. Podemos fazer muito mais do que ignorar e reclamar do que temos. Do muito que temos. Enquanto tantos não têm nada. Enquanto tantos constroem muros, sepultando nossas ínfimas tentativas de humanidade, é nosso dever fazer mais.

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