Várias pessoas me pedem para abordar questões da língua portuguesa, então hoje vamos a isso. Os primeiros versos do lindo soneto de Olavo Bilac – Língua Portuguesa – dizem: “Última flor do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/”. O Lácio era a região do Império Romano em que se falava o Latim. Desta língua, derivaram várias outras, as chamadas línguas neolatinas. As principais: Francês, Romeno, Italiano, Espanhol e Português, sendo esta a última a se formar, daí ser a última flor do Lácio, do Latim, que mais adiante se torna língua morta (não mais falada).
Portanto, o Português simbolicamente sepulta a língua latina e, ao mesmo tempo, surge como uma língua nova, esplendorosa, rica, tornando-se esse incomensurável patrimônio de Portugal, do Brasil, de Angola e outras comunidades mais que através dela se comunicam.
A língua portuguesa não tem donos, não é só direito de alguns, manifesta-se nas mais diferentes vozes e tonalidades. De milhões de brasileiros, é a língua materna, aquela que, desde os primórdios da vida, aprenderam com sua mãe. Ela nos acompanha em todas as nossas ações, em todas as nossas manifestações. Constitui matéria essencial do ensino escolar, porque nos qualifica para transitar com mais confiança e serenidade nos espaços sociais em que nos movemos ou vamos nos mover.
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Há uma diferença expressiva entre a língua escrita e a falada, o que não significa que tudo esteja liberado. Os meios de comunicação, grandes usuários da língua, poderiam cuidar mais do seu uso. Parece que estamos regredindo, com profissionais cada vez mais despreparados, e até despreocupados com o bom uso do Português. Observem como é abundante o emprego de expressões como a do título acima. “As pessoas, elas devem comparecer…”, “os candidatos, eles precisam…”. Por que esse sujeito repetido? Não bastaria “o prefeito falou que…”?
E as pilhas de verbos encordoados? “Vamos estar começando a pensar em unir as duas secretarias!”. E a concordância? Não é correto dizer que “houveram várias propostas”. O verbo haver, no sentido de existir, não pluraliza nem nas locuções (vai haver várias propostas). O certo é “houve várias propostas”. Da mesma forma, o verbo fazer. “Faz duas semanas”, “vai fazer dois meses”, e não “fazem duas semanas”, “vão fazer dois meses”.
E o “tu fizestes”? Eu fiz, tu fizeste, ele/ela (você) fez, nós fizemos, vós fizestes, eles/elas (vocês) fizeram, essa é a conjugação do pretérito perfeito. De onde, então, “tu fizestes”? Pior ainda quando vem o “você fizestes”. Os gaúchos, aliás, unem o pronome da segunda pessoa (tu) com o verbo da terceira (fez). Daí, tu fez, tu chegou, tu disse… Os nordestinos, por exemplo, praticamente não usam o tu, sempre optando por você.
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Na última campanha para prefeito, na região, um postulante não cansava de repetir que seu desejo era ir de encontro às necessidades do povo. De encontro significa contra, ao encontro de significa a favor. É claro que seu desejo era ir ao encontro das necessidades do povo.
Fernando Pessoa, através do heterônimo Bernardo Soares, escreveu que sua pátria era a língua portuguesa. As demais discussões lhe seriam irrelevantes. Era na língua portuguesa que se encontrava sua razão de ser e de viver. Na medida do possível, vamos cuidar da língua, para que ela seja sempre esplendor, poucas vezes sepultura.
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