Nunca se valorizou tanto o único parágrafo do primeiro artigo da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Democracia vem do grego: demos é povo e kratos é poder. É o regime em que o povo é origem do poder. O povo transfere seu poder pelo voto, mas mantém seu poder original. Quem foi escolhido pelo voto está representando o povo. Autoridade sem voto recebe poder de modo indireto, através de mecanismos criados pelos representantes eleitos. Os constituintes cuidaram de registrar a origem do poder logo no primeiro artigo, como a anunciar que a Constituição tem origem no povo e serve para impor limites ao estado, que está a serviço do povo. O supremo poder é do povo. O povo é o alfa e o ômega – início e fim – em uma democracia.
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Na democracia, vale a vontade da maioria do povo, expressa por plebiscito, referendo ou eleição. O último referendo foi em 2005, em que 64% dos eleitores decidiram que é livre o comércio de armas. No entanto, há quem insista em contrariar essa vontade expressa de uma maioria de quase dois terços. Já a última eleição mostrou o vencedor com pouco mais da metade dos votos válidos. No segundo e decisivo turno, se abstiveram, votaram em branco e anularam o voto quase 38 milhões de eleitores. O vencedor teve 60 milhões de votos, e vai governar para 215 milhões de brasileiros. A pequena diferença entre os dois candidatos exigiu esclarecimentos sobre o sistema digital de voto, e as dúvidas se mantiveram, servindo como gota que transbordou um cálice cheio de violações sucessivas à Constituição nos últimos anos.
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Duas medidas poderiam evitar a inquietação que hoje paira sobre o Brasil. Se o Supremo não tivesse derrubado a decisão de mais de 70% dos congressistas sobre o comprovante impresso do voto, estaríamos tirando dúvidas e conferindo as apurações com a transparência estabelecida pelo artigo 37 da Constituição. E se os presidentes do Senado – Alcolumbre e Pacheco – tivessem atendido a requerimentos de senadores, para investigar violações da Constituição – que atingiram o devido processo legal, a liberdade de expressão, a autonomia dos poderes –, já se teria dado um basta precoce nos avanços extraconstitucionais de guardiões da Constituição. Ministros do Supremo se tornaram legisladores, constituintes e políticos – é o argumento mais comum dos requerimentos que dormitam à espera de agendamento no Senado.
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Hoje se teme o risco de convulsão, por causa da inação do presidente do Senado, ao tempo em que ministros do Supremo agem cada vez mais além de seus limites. Sobre a censura, há silêncio dos que pensam estar sendo beneficiados por ela. Sentindo que o Senado não os está representando, esse povo apela aos quartéis, formando um crescente pedido de ajuda. Esse povo exerce a alternativa da democracia direta, prevista no primeiro artigo da Constituição. Se os representantes nada fazem, nem dão satisfação – ao contrário, silenciam ou ironizam – essa gente desapontada com as instituições fermenta seu poder legítimo, que é o poder original. A falta de repostas não resolve; só agrava. Há uma corda cada vez mais esticada.
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