Outro dia estava na correria do dia a dia, aquela que muitas vezes nos deixa cegos ou relapsos em relação a algumas coisas que acontecem à nossa volta. Ao sair do meu apartamento, notei que uma senhora fazia a limpeza da escadaria do condomínio no qual moro. Por outro lado, eu, cabisbaixa, prestando atenção no meu celular e certamente pensando nas inúmeras tarefas que teria que cumprir naquele dia, descia os degraus rapidamente.
Foi quando ela me dirigiu a palavra: “Boa tarde, vizinha! Tenha um ótimo dia. Que dia lindo, não é? Uma bênção de Deus. Um ótimo dia pra ti”, disse, esboçando um belo sorriso. Num sobressalto, me pus a fitá-la, como a concordar com o que dissera. E respondi: “É verdade, temos que agradecer”.
Aquela manifestação me fez pensar o quanto pequenos acontecimentos e gestos assim se tornam cada vez mais raros. E mais: como fazem diferença. Dias depois daquele diálogo informal e tão cheio de significado, vivi uma das semanas mais marcantes da minha carreira no Jornalismo.
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Uma tarefa difícil, dolorida e jamais esperada em nenhuma circunstância: noticiar a enchente histórica no Rio Grande do Sul, Estado em que nasci e de que tenho tanto orgulho, e que foi dilacerado pela força da natureza e das águas. Era necessário informar e ajudar as pessoas que tiveram as vidas completamente mudadas de uma hora para a outra e, em alguns casos, até abreviadas pela catástrofe natural.
Eram pontes destruídas, bloqueios em estradas, pessoas desabrigadas com fome e sede, famílias isoladas, casas alagadas e perdidas e a rotina de milhares de gaúchos transformada da noite para o dia. Lembranças perdidas, recomeços obrigatoriamente necessários. Imagine, subitamente, ter que deixar para trás o próprio teto, repleto de significações? Deixar não apenas um espaço de concreto, mas um lar?
Não ousaria calcular o número de pessoas atingidas. Para além dos dados oficiais, de certa forma toda a população, indireta ou diretamente, tornou-se alvo das consequências das enchentes de algum modo. E aqui não estou falando das alterações no oferecimento de serviços. Refiro-me à corrente de solidariedade em prol das vítimas. Se por um lado as cheias separaram muitas pessoas fisicamente e aumentaram distâncias, por outro elas aproximaram aqueles que clamam pelo bem e pela empatia pelo próximo.
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Em pouco tempo, a tragédia tomou conta do País. A ajuda veio pelos céus, por terra, via Pix. E ainda há um longo caminho pela frente na reconstrução do Estado. O fato é que logo depois da semana fatídica, e que jamais será esquecida em todo o Brasil, voltei a encontrar a mesma senhora.
Dessa vez, partiu de mim iniciar a conversa. Indaguei-a: “Boa tarde! Como está? Tudo bem com a tua família?”. Apesar de em seu rosto não constar o mesmo sorriso daquele outro diálogo, ela respondeu ao meu questionamento: “Meu irmão perdeu tudo, mas não a vida. Ele vai reconstruir o que perdeu. Tenho fé”.
Aquela frase mexeu comigo e me fez pensar o quanto não temos controle sobre nada. Temos apenas o agora, e mesmo assim não conseguimos controlar absolutamente nada. No entanto, podemos ser muito fortes e resistir às intempéries. Os gaúchos estão provando isso a cada dia. Que o Estado e todos nós tenhamos forças para recomeçar e que não faltem diálogos carregados de afeto. Por fim, e não menos importante: que nunca esqueçamos de agradecer pela vida, todos os dias!
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