Ouvir pessoas e suas histórias sempre foi fascinante pra mim. E não falo necessariamente de trabalho, já que na rotina diária, nós, jornalistas, somos movidos a contar o que vemos e ouvimos. Inerente ao meu jeito de ser, ouso dizer que desde muito cedo tentei ocupar esse lugar de escuta – ainda na infância, inicialmente movida pela curiosidade, costumava simular entrevistas com as pessoas que trabalhavam com meus pais. Qualquer pedaço de madeira servia como microfone para as minhas abordagens. A ordem das indagações era “qual o teu nome?”, “qual a tua idade?”, “tu gosta de trabalhar aqui?”.
Embora soasse engraçado, já que eu adotava literalmente a postura de repórter, os adultos paravam para me responder. E eu, encantada, ouvia observando cuidadosamente a expressão de cada um. Não lembro como tudo começou, mas à medida que ouvia, eu queria saber mais. O fato é que com o passar do tempo e da minha insistência, aumentaram as perguntas e as respostas que eu recebia. Como eu gostava de questionar, de ouvir, de descobrir! Sim, na minha concepção eu estava ali “des-co-brin-do” coisas. Era como se eu pudesse acessar algo que talvez mais ninguém tivesse acessado por não lembrar de perguntar (quanta inocência, eu sei!).
Mas cá pra nós, tem coisa mais bonita do que o processo contínuo da descoberta? Não é isso que nos move e nos impulsiona vida afora? Hoje, com mais de 20 anos dedicados à Comunicação e ao exercício do Jornalismo, sigo instigada a ouvir. A única coisa que mudou, quando penso nas abordagens improvisadas da infância, foi a maneira de perceber aquele que ocupa o lugar da fala. Agora, do meu lugar de escuta, enquanto descubro histórias (seja para contá-las ou não), eu me permito aprender.
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Ao processo contínuo da descoberta, por certo, tem se somado o do aprendizado. E, de coração aberto, digo que não há recompensa maior do que ter a oportunidade de aprender com as pessoas que encontramos.
Há poucos dias, em repetidas situações, percebi ainda mais a importância desse lugar de escuta. Me dei conta, passada uma sequência de pessoas e histórias distintas, que todos os que ocuparam o lugar de fala me ensinaram sobre ser resiliente, superar situações difíceis e de seguir agradecendo “apesar de”. Uma delas foi durante o almoço, quando uma senhora de uns 60 e poucos anos me pediu lugar à mesa. Era a primeira vez que eu a via. Sentadas frente a frente, eu observava os gestos dela enquanto pensava “como será a vida dessa senhora?”. E antes que eu lançasse qualquer fala, ela olhou para a minha camiseta e perguntou “Tu trabalha na Gazeta?”.
Ao ouvir a minha confirmação, ela quis saber se eu conhecia determinada pessoa. Depois da minha segunda afirmativa, enfim, ocupei o lugar da escuta e descobri que aquela senhora era de uma cidade vizinha; que estava em tratamento contra o câncer, mas já em fase de recuperação; que sua mãe havia tido a mesma doença, porém mais rara e em local distinto, e que toda a família havia se envolvido nos longos anos de tratamento da sua mãe, e o tratamento por eles escolhido havia sido uma aposta acertada e que dera uma sobrevida digna para ela.
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Passados 40 minutos de conversa, eu perguntei como encarava essas pancadas da vida e como suportava o seu processo de tratamento e cura. E ela, num sorriso largo, me disse que apesar de tudo a vida era boa demais, especialmente quando podia encontrar “pessoas maravilhosas”, sublinhou, olhando pra mim. Perceber que do seu lugar de fala aquela senhora conseguiu dividir situações particulares, preocupações e também momentos de alívio, e depois de tudo isso ainda mudar completamente o seu semblante na despedida do almoço, me mostrou o poder da escuta.
Conceder espaço para que o outro fale e se esvazie literalmente das suas angústias, sem emitir qualquer julgamento, é ocupar não só o lugar de escuta, mas, sobretudo, de acolhimento. Vai muito além da curiosidade, de querer “des-co-brir” alguma coisa, de querer aprender. É dar ao outro a condição de ser ouvido, amparado, visto; e a si próprio, de vivenciar a humanidade, a generosidade, a empatia. Essas dão, em parte, sentido a nossa existência. É a prova de que viver é um eterno compartilhar. E aí, quando foi a última vez que tu parou para ouvir alguém?
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