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O papel das associações no desenvolvimento de Santa Cruz do Sul

Encontros de sociedades são realizados anualmente no Dia do Colono e do Morotista e na programação oficial da Oktoberfest. | Crédito: Albus Produtora

Imagine chegar a uma terra distante, do outro lado do Oceano Atlântico, com plantas e animais diferentes dos conhecidos até então, e não conseguir nem mesmo se comunicar com os moradores locais em razão do idioma praticado. Esse foi o cenário encontrado pelos imigrantes alemães quando chegaram a Santa Cruz do Sul, em 1849. Isolados da sociedade da época também em razão da cultura e dos costumes diferentes, eles precisaram buscar entre seus pares o apoio necessário para sobreviver e progredir na nova morada.

Uma das tradições trazidas foi a do associativismo. Isto é, por meio de associações com diversos fins e atuação em variados segmentos, os imigrantes conseguiram se estabelecer em terras brasileiras e garantir o desenvolvimento das comunidades. O sistema de crédito cooperativo, hoje difundido em todo o País, teve seu embrião nas colônias germânicas e se consolidou ao longo das décadas. Além dele, as sociedades de damas e cavalheiros, com fins recreativos, também foram fundamentais,
e algumas resistem até os dias atuais.

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A união foi fundamental para o desenvolvimento das colônias

Tão logo chegaram ao Rio Grande do Sul, os imigrantes germânicos perceberam que as promessas do governo imperial não passavam mesmo de promessas. As terras anunciadas para a agricultura eram tomadas pela mata nativa e os demais auxílios também não foram honrados na íntegra. Além disso, havia a barreira do idioma, que impedia a comunicação com os moradores de Rio Pardo, de colonização portuguesa, e toda a diferença de costumes e tradições, que tornava muito difícil a participação na sociedade da época.

Conforme menciona o deputado federal Heitor Schuch em seu livro Sociedades Alemãs – A cultura através dos tempos, esse isolamento foi rompido pela união entre vizinhos e pela vida em comunidade. “Esse conviver comunitário e associativo era intrínseco aos imigrantes. Isso já se ensinava na Europa, cujo mapa era bem diferente do atual”, menciona Schuch, ao recordar que a Alemanha foi unificada somente em 1871. Antes disso havia territórios separados, governados por príncipes e duques.

“Sozinhos, provavelmente teriam morrido todos”, afirma o autor. Segundo ele, se não fosse a ação coletiva, é improvável que teriam conseguido construir igrejas, escolas e cemitérios, bem como progredir na agricultura e no comércio das mercadorias produzidas nas propriedades. Para além da questão econômica, esse espírito também espalhou-se para o lazer, com a criação das sociedades de damas e cavalheiros, voltadas ao teatro, à música, à dança, leituras e jogos. A primeira foi a Sociedade Schutzengilde, ligada ao tiro e à cavalaria, sediada na região onde hoje fica o Colégio Mauá.

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Em 1868, a Schutzengilde fundiu-se com o Club Union, nascendo assim o Deutscher Club. “A partir daí, as sociedades se disseminaram em praticamente todas as picadas, tanto para suprir as necessidades não atendidas pelo Estado quanto para preservar a cultura e, principalmente, como espaço de lazer”, diz outro trecho da publicação. Uma pesquisa realizada em 1924 mostrou que Santa Cruz do Sul, naquele ano, já contava com 97 instituições, com outras 48 em Venâncio Aires.

As sociedades serviam ainda para garantir a manutenção da moral e dos bons costumes. Para ingressar, o postulante precisava ser aceito por todos os demais associados. Em caso de descumprimento do rígido estatuto, havia o risco de, após assembleia geral, ser expulso.

Uma tradição que foi trazida do país de origem

Conforme o jornalista e pesquisador Benno Bernardo Kist, o associativismo já existia nos territórios da Europa Central, que seriam unificados para formar a Alemanha como a conhecemos hoje. Com isso, já havia nos imigrantes um grande senso de organização comunitária e de auxílio mútuo em favor do progresso coletivo. Essa tradição não tardou a ser colocada em prática na nova colônia, tanto por meio das sociedades de damas e de cavalheiros com fins esportivos e culturais como pelas cooperativas de crédito.

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O conceito de cooperativa de crédito rural foi criado em 1848 por Friedrich Wilhelm Reiffeisen e difundido mundo afora por ele e também pelos imigrantes que já tinham conhecimento da proposta. Mais tarde, já no início do século 20, o padre Theodor Amstad dedicou-se a percorrer diversas regiões do Estado e incentivou a criação de muitas dessas instituições. Em reconhecimento aos serviços prestados, o religioso é considerado o introdutor e também o patrono do cooperativismo no Brasil.

“A Igreja teve um papel fundamental nisso porque o princípio era o mesmo: o auxílio mútuo entre as pessoas para conquistar os objetivos”, afirma Kist. Primeiro eram criadas as associações religiosas e, na sequência, conforme as necessidades de cada comunidade, surgiam outras. “Para vender as mercadorias a preço justo, havia as cooperativas de produção. Já no caso do dinheiro, que era muito caro e por vezes inacessível nos bancos, a solução encontrada foi a fundação das cooperativas de crédito rural”, observa.

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Com o passar das décadas, muitas foram criadas e outras desapareceram, com destaque para os governos de Getúlio Vargas e durante o regime militar, períodos em que havia maior controle do governo federal sobre as instituições financeiras. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, contudo, a nova legislação permitiu a consolidação. Um dos exemplos é a Caixa Rural União Popular de Santa Cruz do Sul, fundada em 1919 e em funcionamento até os dias atuais com o nome de Sicredi Vale do Rio Pardo.

Outro grande exemplo é a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), fundada em 1955 com o objetivo de organizar e defender os interesses dos agricultores frente às grandes empresas que conduziam a indústria do tabaco. “Embora o Sistema Integrado de Produção desse alguma segurança de venda, sem uma representação forte do outro lado por vezes havia um desequilíbrio”, salienta Kist.

Além do papel representativo, a Afubra também se destacou pela criação do sistema mutualista, cuja função é prestar auxílio aos associados em caso de danos nas lavouras provocados pelo granizo. Ao longo dos anos, outros benefícios foram adicionados.

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Ensino Superior – Mais um caso de sucesso no associativismo citado por Benno Bernardo Kist é a Associação Pró-Ensino em Santa Cruz do Sul (Apesc). A entidade foi criada em 1962 com o objetivo de trazer o Ensino Superior ao município, antes disponível somente em outras regiões, como Santa Maria e Porto Alegre. Com o passar do tempo, os cursos foram reunidos no âmbito das Faculdades Integradas de Santa Cruz (Fisc), e posteriormente foi fundada a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Hoje a Apesc é a mantenedora da Unisc, do Hospital Santa Cruz, da Escola Educar-se e do Centro Profissional da Unisc (Cepru).

Esforço e união da comunidade local resultaram na criação da Apesc e na chegada do Ensino Superior

Forte repressão durante a guerra

No período da Segunda Guerra Mundial, após o Brasil decretar guerra à Alemanha, em agosto de 1942, houve forte repressão aos descendentes dos imigrantes germânicos, sobretudo nos três estados da Região Sul. “Durante a coleta de dados para este trabalho, era comum ouvir dos representantes das sociedades mais antigas relatos de que seus documentos haviam sido confiscados durante aquele período”, escreveu Heitor Schuch. Além de proibir a língua estrangeira no País, o governo de Getúlio Vargas intensificou a fiscalização e a repressão nas regiões de colonização alemã.

“Nessa época, bastava ter um sobrenome alemão para se tornar um suspeito e passar a ser perseguido”, diz outro capítulo do livro. Com a proibição da língua, documentos, livros, quadros, inscrições em fachadas de prédios, igrejas, lápides de cemitério e tudo o que tivesse algum tipo de inscrição em alemão foi retirado ou substituído por outro, em português. “Foram escondidos até os tecidos bordados que estavam nas salas e nas cozinhas dos colonos, porque isso poderia ser usado contra eles.”

Dentro desse contexto, afirma Schuch, não demorou para a repressão chegar nas associações. “A grande maioria suspendeu as atividades temporariamente, e outras reduziram significativamente os encontros.” As mais atingidas foram as de tiro, de lanceiros e de cavalarianos, vistas pelo governo como ameaça maior em razão dos equipamentos e das habilidades dos integrantes. “O certo é que a rigidez e a intolerância com que a lei foi aplicada fizeram muitos colonos temerem sair de casa, deixando de participar da vida social da época.”

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