Para quem deseja conhecer melhor, mais a fundo, as circunstâncias envolvidas no início da colonização alemã no Brasil, o livro 1824, do escritor e historiador gaúcho Rodrigo Trespach, é leitura fundamental. Com olhar panorâmico e ampla revisão da bibliografia, em estilo leve e fluente, o autor contextualiza o movimento imigratório e de ocupação do território brasileiro, então com inúmeras áreas pouco ou esparsamente habitadas, e o faz já com o recorte de como estava a situação na própria Europa.
A obra foi lançada pela Leya, em 2019, e pode ser lida ao lado de inúmeros outros textos referenciais ou basilares sobre a história da imigração, muitos dos quais ele consulta e indica. Natural de Osório, região que integrou uma das colônias iniciais, a de Torres, no Litoral Norte gaúcho, Trespach assina outros livros dedicados ao tema da imigração ou da genealogia.
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Mais recentemente, lançou mais um título muito oportuno, Personagens da independência do Brasil (este pela editora 106), fato histórico em vias de completar 200 anos desde sua ocorrência. E, aliás, a independência e a vinda dos primeiros imigrantes têm muito mais a ver entre si do que um leigo poderia imaginar. Nesta entrevista, concedida por e-mail, Trespach responde a questões associadas a seu livro 1824.
Gazeta do Sul – Uma série de fatores se conjugou para que ocorresse a imigração alemã para o Brasil. Quais foram os aspectos mais relevantes nesse processo?
Rodrigo Trespach – Bom, bem antes de 1824, principalmente após a vinda da família real, em 1808, uma série de experiências com imigrantes europeus foram tentadas pelo governo português. Havia colônias alemãs no sul da Bahia desde 1816, e uma colônia com suíços de língua francesa e também alemã fora criada na região serrana do Rio em 1819. A vinda de imigrantes de língua alemã pós-Independência foi a continuidade desses primeiros experimentos e se deu por meio de um projeto de viés econômico e militar. Era preciso acabar com a escravidão e o País necessitava de soldados para lutar contra as tropas portuguesas. O idealizador desse projeto foi José Bonifácio.
Em seu livro 1824 o senhor aponta que, de um lado, havia a pretensão do Brasil de trazer imigrantes, e, de outro, muitos alemães queriam ir em busca de oportunidades em outras regiões. Esses interesses simultâneos se combinaram para que a colonização no Sul do Brasil desse certo?
Sim. A Europa, a Alemanha de forma especial, vivia uma onda emigratória gigantesca, causada pelas Guerras Napoleônicas, crises econômicas e revoluções na indústria e nos meios sociais. O Brasil vivia um momento político novo, que desejava apostar em um modelo econômico livre da escravidão. Se faltavam terras e trabalho na Europa, o Brasil tinha muito a oferecer aqui. Uma questão de geopolítica.
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Quais são as grandes marcas positivas e as eventuais lacunas que persistiram nesse movimento migratório de europeus para o Brasil, em especial para o Sul?
Os pontos positivos foram a criação da pequena indústria, do minifúndio e da policultura. Além, claro, da diversidade cultural e religiosa, com a vinda de protestantes. Faltou resolver a questão da escravidão. Os imigrantes que vieram para servir de exemplo, através do trabalho livre, também acabaram se utilizando de escravizados. E é bom que se diga que o sucesso da imigração não floresceu em poucos anos. Os anos de 1820 lançaram apenas a semente de uma árvore que viria a frutificar ao longo da segunda metade do século 19.
O empreendedorismo foi característica dos imigrantes. A presença deles foi determinante para o desenvolvimento econômico e social das áreas nas quais se fixaram?
Claro. O fato de estarem em terras estranhas a sua cultura fez com que eles desenvolvessem sistemas de parcerias comunitárias muito mais eficientes que as existentes no País. Era necessário empreender e cooperar. Algo bem diferente da visão que os lusos tinham adotado no Brasil desde o século 16. Um dos fatores determinantes foi o nível de educação que os imigrantes alemães tinham. A maioria tinha uma formação educacional básica muito melhor que a dos brasileiros. A população do Brasil era quase que totalmente analfabeta, incluindo as classes mais abastadas. As colônias alemãs foram alicerçadas sempre sobre dois pilares: igreja e escola.
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Como o senhor analisa o cenário brasileiro a partir da colonização alemã? Por que o Brasil não celebra essa colonização como por vezes faz em relação a outras etnias?
O Brasil deve muito de seu desenvolvimentismo industrial e científico ao imigrante e às comunidades alemãs. Mas o período da Segunda Guerra foi muito impactante. A política nacional da época criou uma imagem extremamente negativa do imigrante alemão, ligando toda a comunidade teuta ao nazismo, marginalizando o descendente germânico. Governos mais recentes exploraram amplamente essa imagem, popularizando uma ideia falsa de que os imigrantes haviam roubado ou se apropriado de terras que deveriam ser entregues a brasileiros. Basta lembrar a Olimpíada no Rio e a Copa do Mundo no Brasil. As aberturas desses eventos mostraram muitas etnias, mas apagaram a presença germânica, que foi a primeira e uma das mais significativas na história do País. Nos livros didáticos nacionais a presença protestante, por exemplo, tão importante no Sul, nem sequer é mencionada. Fala-se muito em preconceito religioso, mas só quando se trata de alguns grupos. Acredito que a publicação de livros sobre a história da imigração em nível nacional – e não apenas aqueles focados para o público da região Sul — podem colaborar para mostrar que o alemão contribuiu para a construção do Brasil e merece seu espaço como qualquer outro grupo étnico.
Os 200 anos de imigração alemã poderiam ser bom momento para reconhecer e salientar as contribuições dos colonizadores e de seus descendentes?
Acredito que sim. Efemérides são sempre importantes para isso, refletir, debater e tornar de conhecimento público o que às vezes é desconhecido da população em geral. A precariedade da educação quanto à história do País é algo extremamente preocupante. Existem lacunas que são amplamente exploradas por grupos políticos com viés ideológico nocivo. Precisamos entender que história é um processo. Não podemos consertar o passado, mas podemos aprender com ele. E a imigração alemã tem, sim, muito a ensinar ao Brasil.
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