Só o descaso crônico com o patrimônio artístico nacional explica que uma data tão emblemática para o nosso cinema tenha passado praticamente em branco no mês passado. Foi há 60 anos que um filme brasileiro, O Pagador de Promessas, trilhou uma carreira internacional até hoje não superada: conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o mais prestigiado do planeta.
Não é um feito qualquer: naquele ano, a produção de Anselmo Duarte desbancou concorrentes que se tornariam obras-primas, como O Anjo Exterminador, de Luís Buñuel; O Eclipse, de Michaelangelo Antonioni; Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda; e O Processo de Joana D’Arc, de Robert Bresson, e ainda sob um júri no qual estava ninguém menos do que François Truffaut – por sinal, consta que ele foi um dos principais defensores da escolha final. No ano seguinte, o filme também concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas perdeu para o francês Sempre aos Domingos.
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Na verdade, existem mais razões para que O Pagador de Promessas seja tão pouco celebrado. Lançado no auge do Cinema Novo, o filme atendia à maior parte das premissas que embasavam o histórico movimento: é uma obra de cunho político, que jogava luz sobre os marginalizados e trazia à tona as mazelas sociais do país; um filme crítico, de vanguarda e com sotaque brasileiro, em nada parecido com as chanchadas urbanas de vocação hollywoodiana que predominavam e atraíam multidões até então. Sem falar da presença de atores muito identificados com aquela corrente, como Othon Bastos e Norma Bengell. Mesmo assim, O Pagador… nunca foi considerado um filme do Cinema Novo. Por sinal, próceres como Glauber Rocha jamais o aceitaram.
De acordo com Josmar Reyes, professor de Realização Audiovisual da Unisinos e doutor em Comunicação e Informação, apesar da maestria técnica e estética, o fato de Anselmo Duarte ter sido um galã das chanchadas fez com que o filme sempre fosse visto com desconfiança. “O filme estava absolutamente dentro das características do Cinema Novo, mas ele não pertencia à turma. O Cinema Novo não foi só um projeto de cinema; foi um projeto cultural, e, nesse sentido, o Anselmo não se adequava, porque ele era o establishment. E ele mesmo não se sentia envolvido”, observa.
Adaptado de uma peça de teatro de Dias Gomes, O Pagador de Promessas conta o drama de um sertanejo que promete carregar uma cruz até uma igreja após seu burro de estimação ser atingido por um raio. Ao revelar que a promessa havia sido feita em um terreiro de candomblé, porém, o padre se nega a recebê-lo e a história se torna atração em uma cidade da Bahia, mobilizando imprensa e polícia e levando uma gama de pessoas a tentar tirar proveito da situação, desde o cafetão interessado na esposa do pagador até o dono do boteco em frente à igreja, que quer que a confusão se prolongue para aumentar suas vendas.
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Para Josmar Reyes, ao abordar duas questões centrais no Brasil, a pobreza e o sincretismo religioso, o filme traça uma “radiografia do país”. “Esses temas, que são colocados no filme de forma aguda e pertinente, até hoje estão na pauta. O que vemos ali é o jeitinho, os interesses particulares e, sobretudo, a falta de empatia, de percepção do outro”, analisou.
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