Quando por muito tempo percorremos os mesmos caminhos, habitamos sempre os mesmos espaços, lemos sempre a mesma história, aos poucos perdemos a capacidade de olhar. Entra, então, o olhar dos outros que acende o nosso, já anestesiado, quase adormecido. O olhar dos outros pode vir de um filme, de um livro, de uma tela, da visita de um amigo. Eles são capazes de despertar o que parece ter perdido o sentido para nós, embora continue pleno de vida.
Focamos um jardim com olhar amplo, câmera aberta, e não notamos o pequeno vaso, com planta minúscula e flores ainda menores, porém de beleza fascinante. Muitas vezes, só despertamos para ela quando alguém nos mostra essa surpreendente maravilha, que há tanto se encontrava tão perto de nós, sob olhos incapazes de admirar o seu encanto. O fotógrafo amador aponta a máquina e dispara; o fotógrafo profissional, munido de conhecimento e sensibilidade, descobre a beleza no detalhe invisível.
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O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, traz a comovente história do menino Diego, que nunca tinha visto o mar. Um dia, seu pai lhe proporcionou esse momento inesquecível. Ao ver a imensidão das águas, emocionado, Diego apenas conseguiu pedir ao pai: Me ajuda a olhar! Há tantas circunstâncias, tantas paisagens, tantos acontecimentos em nossa vida diante dos quais poderíamos também pedir ajuda, esperando a partilha ou a multiplicação do olhar. Perdemos, em incontáveis oportunidades, muitas belezas, porque não sabemos suficientemente admirar, verbo com uma riqueza de sentidos, entre eles olhar com espanto, assombro ou surpresa aquilo que tantas vezes nos passa despercebido.
Muitas pessoas que moram em cidades litorâneas, não dão a menor importância ao mar. Agora, quem vai esporadicamente não se cansa de viver essa emoção. No verão deste ano, eu apreciava aquela imensidão quando um senhor desconhecido se postou ao meu lado e definiu: acho que o paraíso é assim. Quantas vezes apenas descobrimos os encantos de nossa cidade quando alguém vindo de fora aponta aquilo a que nossos olhos distraídos nunca deram valor.
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O olhar dos outros valoriza o que temos, valoriza o que somos. Há muitos anos, uma aluna observou: gosto do jeito como folheias as páginas do livro. Nunca mais esqueci o que ela falou e até hoje virar as páginas de um livro continua, para mim, um pequeno ritual de afeto, de respeito à obra, tornando presente a fala dessa aluna, consagrando um gesto a que talvez jamais eu tivesse dado importância.
O olhar dos outros pode nos corrigir, orientar nossas decisões, alargar as formas de ver os nossos afazeres, as nossas concepções culturais, políticas, religiosas. O olhar dos outros, mesmo crítico, desconfortável, mas buscando nos ajudar, só pode contribuir para nos tornarmos pessoas melhores. O olhar dos outros tem a capacidade de valorizar aquele móvel que achamos uma tralha, aquela foto inexpressiva, aquela miniatura de um monumento perdida na cristaleira, até mesmo tornar encantadora a pinta que a natureza plantou em meu rosto.
O olhar dos outros, mesmo silencioso, tem a força da comunicação. Nele, conseguimos ler a reprovação, a alegria, a tristeza, o espanto, a dúvida, o pedido de socorro. O olhar dos outros existe para compartilhar a vida.
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