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O mundo à luz do dia

Médicos alertam que há uma “epidemia de miopia” em curso. Dada a onipresença das telas de celulares, TVs e PCs, dificilmente alguém se espantaria com essa informação. Você se habitua tanto com o brilho artificial, atraindo-o feito inseto em torno de uma lâmpada acesa, que os olhos perdem sua aptidão para enxergar o mundo à luz do dia. Veem mal de longe, de perto ou ambas as coisas. E, por mais que você saiba qual a razão, não consegue impedir.

A era da imagem é a mesma da deterioração visual precoce. Que talvez pudesse ser considerada parte do quadro de “vertigem civilizacional” descrito pelo autor argentino Ernesto Sábato (1911-2011) no livro A resistência. Para Sábato, uma das características acentuadas deste século é a velocidade vertiginosa. “A vertigem não está só no exterior, nós a assimilamos em nossa mente, que não para de emitir imagens, como se também fizesse zapping. Talvez a aceleração tenha chegado ao coração, que já lateja num compasso de urgência para que tudo passe rapidamente e não permaneça”, escreveu.

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Mais que o lamento pessimista de um idoso avesso à internet, talvez seja a descrição de um estado de espírito contemporâneo. Quem nunca teve a sensação de “pensamento acelerado”? Há excesso de informações fragmentadas e imagens avulsas, e faltam tempo e calma para pensar a respeito, criar conexões e assimilar significados.

Os olhos não param de trabalhar, mas para quê? Eles veem o imediato, mas sofrem para enxergar ao longe, acima da neblina confusa no horizonte. Como a visão de um míope. Vemos as coisas como são ou apenas o que imaginamos? Em Luzes da Cidade, clássico filme mudo, a florista cega acredita que o vagabundo nela interessado (Charles Chaplin) é um homem rico e elegante.
Mais tarde, o personagem de Chaplin faz estranha amizade com um milionário, que só o trata de forma amistosa quando está bêbado. Quando sóbrio e consciente, ele jamais o reconhece e o afasta a socos e chutes.

O mendigo sonha com meios de curar a cegueira da florista, mas como ela agirá ao ver a realidade? Na cena final, o brilho do olhar humano tem mais significado e relevância do que qualquer outro. São essas as luzes da cidade.

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Guilherme Bica

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Guilherme Bica

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