Quem quer que leia a Constituição vai perceber que decisões da mais alta corte não estão batendo com o que está escrito na lei maior. Essas discrepâncias vinham sendo discretamente comentadas nesses últimos tempos como alerta de algo errado. Mas em Lisboa, num simpósio jurídico, o ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, revelou, com todas as letras, o que vem acontecendo. “O Supremo é o Poder Moderador da República”, afirmou ele. O Poder Moderador que tivemos foi na Constituição de 1824, em que o imperador, estando acima dos poderes, podia intervir com o objetivo de manter a harmonia entre eles. Ele era o quarto poder. Se o Supremo, hoje, é o poder moderador, então ele abarca, ao mesmo tempo, dois poderes – mesmo sem ter, para isso, o voto que é a origem do poder.

O imperador não fazia ativismo político, não alterava a Constituição, não inventava leis nem mandava prender, como tuitou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Ademais, não há registro algum na Constituição a erigir um poder moderador – como protestou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis. O jurista Ives Gandra Martins, ao interpretar o artigo 142 da Constituição, entende que esse poder é das Forças Armadas, como “garantia dos poderes constitucionais”.

Não foi um ato falho do ministro Toffoli; afinal, ele estava falando de Lisboa para o Brasil; mais parece uma proclamação de que o Poder Moderador é o Supremo – embora sem apoio na Constituição e muito menos no voto. Toffoli também afirmou que o sistema de governo no Brasil é o semipresidencialismo. Isso é verdade. A constituinte que acompanhei escreveu uma base de sistema parlamentar com uma emenda presidencial. E criou o seguinte princípio: o presidente, que tem a responsabilidade pelo governo, não tem os poderes para governar; o Congresso, que não tem essa responsabilidade, é que tem esses poderes. O presidente Sarney, no dia da promulgação, quando o entrevistei, disse: “Com esta Constituição, o Brasil fica ingovernável”. Ele foi o primeiro semipresidente. Nelson Jobim, que foi o relator executivo, me disse que os constituintes estavam sob a síndrome do autoritarismo, e diminuíram poderes do chefe do Executivo.

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Isso é uma usurpação à representatividade do povo, origem do poder, que o exerce diretamente ou por seus representantes eleitos, como está no primeiro artigo da Constituição. Ora, hoje, presidentes eleitos com mais da metade dos votos válidos nomeiam seus auxiliares e tomam decisões administrativas que têm sido vetadas pelo “poder moderador”. Não custa lembrar que no referendo pós-constituinte, o sistema presidencial teve 70% dos votos.

O ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, ex-ministro do PT e ex-PCB, no seminário do Instituto Villas-Bôas, que conduzi na sexta-feira, pregou um governo com presidente forte, forte com autoridade, com democracia, “pois o Brasil não aceita ditadura de ninguém, de patrões ou trabalhadores, de militares ou do judiciário. Só democracia”. E democracia não comporta imperadores mandando nos poderes avalizados pelo voto.

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