Para uma das economistas mais respeitadas do Rio Grande do Sul, apresentar uma âncora fiscal como substituição ao teto de gastos e garantir que o novo instrumento seja capaz de recuperar a confiança dos investidores é o maior desafio da reta inicial da terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo Patrícia Palermo, ainda há receios sobre os rumos da política econômica.
Doutora em Economia pela Ufrgs, Patrícia, que presta consultoria para diversas entidades e empresas, reconhece o bom desempenho na condução econômica no primeiro mandato de Lula, mas é crítica às políticas adotadas a partir do final do segundo mandato e, sobretudo, na gestão de Dilma Rousseff (PT).
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Conforme ela, embora a equipe que tomou posse nesta semana possua nomes que entusiasmam o mercado, como Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Bernard Appy, há preocupação com os sinais de uma postura mais intervencionista. “Não sei se serão dominados pelo passado ou vão deixar que o futuro dite o que vamos ver”, comentou.
Ainda que considere “uma pena” a retirada de oito estatais do plano de privatização, incluindo Petrobras e Correios, Patrícia disse que a medida já era esperada. Na visão dela, a decisão do governo de prorrogar a desoneração sobre combustíveis se deu por uma preocupação de não gerar mais pressão inflacionária.
De acordo com Patrícia, a âncora, prometida pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad para o primeiro semestre, não pode servir apenas para acalmar no mercado, e sim buscar um crescimento econômico sustentável.
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Entrevista
- Gazeta: O presidente chamou o teto de gastos de “estupidez” na posse, mas Haddad prometeu uma nova âncora fiscal em seis meses. Como a senhora vê esses primeiros movimentos?
Patrícia Palermo: Estamos vendo algumas contradições. O teto de gastos é algo que a maioria dos políticos não gosta porque impõe responsabilidade, escolha e o entendimento de que os orçamentos precisam ser respeitados. O Brasil nunca fez isso, quando se precisava gastar mais, se acomodava com endividamento, e isso é péssimo, porque sempre vem um custo que será pago por todos nós com mais inflação, mais juros e menos crescimento.
Na posse, o presidente ressaltou que nos governos dele houve grandes superávits primários e até redução da dívida pública, e isso é verdade. Naquele período chegamos a cogitar a possibilidade de um déficit nominal zero, o que significa buscar superávits que sejam capazes de evitar que a dívida pública cresça, inclusive pagando a totalidade dos juros. Mas isso foi abandonado nos governos de Dilma Rousseff. Então, ele vem com uma fala de crítica ao teto de gastos, mas lembrando que demonstrou certa responsabilidade fiscal. E existe a promessa de uma nova âncora. Que âncora vai ser essa e quão crível ela será, não sabemos.
- O que deve ser fundamental na discussão sobre a âncora?
Quando foi criado o teto de gastos, prometemos à sociedade, aos investidores e ao mercado que teríamos uma trava relevante para garantir a credibilidade. Colocamos na Constituição esse compromisso. Nesses últimos anos, porém, já furamos o teto três vezes. Então, fico me perguntando: que compromisso vamos assumir agora para resgatar minimamente a credibilidade? Porque é para isso que precisamos da âncora, para garantir a credibilidade dos agentes econômicos de que a dívida vai ser controlada no médio e longo prazo.
- A política que Lula às vezes apregoa, de estimular a economia por meio de investimento público, deu certo por um período. O que é diferente agora?
Na verdade, quando o governo decidiu fazer isso é que as coisas começaram a degringolar. Quando observamos os melhores momentos de Lula enquanto presidente, as políticas que estavam valendo eram as mesmas adotadas no governo Fernando Henrique. O nacional-desenvolvimentismo começou a ser aplicado de forma mais raiz na segunda etapa do segundo governo Lula, e daí por diante a água começou a vazar. Só tivemos um resultado bastante positivo em 2010 porque a base de comparação era baixíssima e estávamos respondendo a uma série de incentivos fiscais que fizeram com que a atividade econômica efetivamente melhorasse.
Mas quando olhamos na sequência, essas políticas nos levaram à crise de 2015 e 2016. Por isso não adianta achar que será diferente agora se a receita já deu resultados ruins no passado. Tomara que essas falas ainda sejam resultado de palanques armados e que aos poucos sejam feitas políticas horizontais, que melhorem a competitividade dos produtos e serviços e a produtividade da economia, porque isso sim dá resultado a médio e longo prazo.
- A equipe econômica mistura nomes técnicos e políticos. Qual a sua avaliação?
Antes tínhamos um Ministério da Economia, que era um superministério, e que foi fatiado novamente. Temos agora o Desenvolvimento, Indústria e Comércio nas mãos do Geraldo Alckmin, o que foi visto com ótimos olhos. O Alckmin é um administrador competente e experiente, esteve à frente da maior economia do Brasil por muito tempo e entende quais são as necessidades nessa área. A Simone Tebet aparece no Planejamento após ter feito uma campanha alicerçada em questões que são de muito valor para o mercado. Ela tinha no discurso um grande compromisso com o equilíbrio fiscal e foi assessorada por gente muito competente. No ministério mais importante, temos o Haddad, que é um ministro de caráter político.
Quando pensamos se isso é bom ou ruim, temos que lembrar do Antônio Palocci, que era um político e teve medidas muito acertadas. Só que ele tinha uma equipe de técnicos muito bons. Nesse time do Haddad, temos o Bernard Appy, que é extremamente respeitado no mercado e está por trás da PEC 45, a grande aposta do mercado em termos de reforma tributária. Tem alguns outros nomes mais conhecidos do mercado financeiro, mas o que causa receio é a existência de pessoas em posições-chave com uma mentalidade de que o Estado deve ser o indutor do desenvolvimento.
- Por que causa receio?
É uma mentalidade que dificilmente consegue encontrar conexão com coisas que são entendidas pela maior parte do mercado como ferramentas que geram crescimento sustentável a médio e longo prazo. Então, temos uma tendência de repetir erros do passado, de escolher de novo campeões nacionais, de fazer com que estatais assumam um papel para o qual muitas vezes não têm capacidade, de começar a usar bancos públicos como instrumentos de política pública com distribuição de crédito, o que gera mais problemas do que soluções. Então, existe um receio, mas sou da linha de que é preciso dar o benefício da dúvida e esperar as primeiras ações. Não sei se serão dominados pelo passado ou vão deixar que o futuro dite o que veremos.
- As primeiras medidas foram prorrogar a desoneração dos combustíveis e retirar estatais do plano de privatizações. O que isso sinaliza?
O que gerou uma contradição foi o fato de que, na semana passada, o Haddad trabalhava para que a desoneração não fosse prorrogada e, de repente, ela foi. Sabíamos que haveria mudanças no início do ano que causariam pressões inflacionárias e tirar essa isenção nesse momento geraria mais pressão ainda. E o que o governo menos quer é gerar algum aumento de custo de vida para a população. Quanto às privatizações, não há novidade alguma, é o que já estava sendo falado. E é uma pena.
- Qual o desafio mais urgente do governo na área econômica?
Não tenho dúvida de que o maior desafio é o fiscal. No findar de 2022, foi aprovada a PEC da Transição, com um valor infinitamente maior do que o necessário para fazer com que a promessa de campanha fosse cumprida. Abriu-se a porteira e a boiada passou, então agora é preciso pagar essa conta. Se formos olhar as previsões de algumas semanas atrás para a taxa de juros ao final deste ano e a previsão que se tem hoje, aumentou meio ponto percentual.
Quanto mais juros, mais custo de levar a dívida pública, mais caro tomar crédito e mais freada é a nossa economia. O mais urgente é definir uma âncora fiscal crível, que não seja só para dar uma acalmada no mercado, mas possa ser levada adiante para construirmos um país onde seja mais fácil empreender, gerar empregos e aumentar a renda média da população.
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