Com o fim da Semana Farroupilha, o início das manhãs tende a ser um pouco mais tranquilo lá em casa. Durante a semana dedicada à cultura gaúcha, o despertar ocorre mais cedo, pois as gurias precisam de tempo para vestirem os trajes de prenda. Ainda assim, é um entrevero de saias de armação, rendas, maquiagens, tranças e ramos de orquídea, até que Isadora, Yasmin e Ágatha estejam, definitivamente, prontas para a escola.
Que ninguém pense que estou chorando as pitangas. Ao contrário. Embora não seja um tradicionalista de carteirinha – já nem tenho mais bombacha que me caiba na cintura – gosto da Semana Farroupilha. Admiro a cultura gaúcha, principalmente pelo que traz de valores positivos para as novas gerações, como respeito, honestidade, iniciativa, idealismo. Tenho grande apreço por ações como o Projeto Piazito, que leva a criançada aos CTGs, ensina a tradição e, de lambuja, transmite princípios de moral e integridade.
Concordo que existe algo de mítico na imagem que temos dos heróis farroupilhas. Afinal, recentes pesquisas históricas sugerem que parte das atitudes de Bento Gonçalves e mesmo do general Neto não coincidiam com os ideais de liberdade, igualdade e humanidade da revolução. Sem falar de Canabarro, que teria entregue os corajosos Lanceiros Negros de bandeja ao massacre imperial.
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Mas a existência de certa aura mítica em nossa tradição não me tira o sono. O mito, como bem lembra a Antropologia, é pedagógico. É o princípio fundador de toda cultura. Não é mero sinônimo de mentira, como costuma ser usado. O mito ensina, busca explicar as engrenagens do mundo, inspira o homem a dar o seu melhor. Duvido que livros de autoajuda, tão vendidos nos dias de hoje, fariam algum sucesso na Grécia Antiga, onde o aprendizado sobre resiliência, autoestima e coragem vinha do mítico, dos declamadores que cantavam a Ilíada e a Odisseia pelas ruas. Creio que os gregos tiravam grandes lições sobre iniciativa e persistência ao ouvir sobre os dez anos da Guerra de Troia, ou sobre os outros dez anos da jornada de Odisseu ao retornar para casa após a batalha. Portanto, talvez seja lícito que nós, gaúchos, também possamos tirar o mesmo tipo de lição, nem tanto daqueles dez anos de peleia, mas das décadas de enfrentamento aos rigores pampeanos aqui do Sul.
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Para deixar as gurias no clima, enquanto se arrumam em seus vestidos de prenda, a Patrícia coloca no som canções tradicionalistas e folclóricas. Mas então, certa manhã, tocou o Maçanico: “Maçanico, maçanico/Maçanico do banhado/ Quem não dança o maçanico/ Não arruma namorado.”
Pai coruja, tratei de desligar o som e sentenciei:
– Gurias, vocês estão proibidas de dançar o maçanico!
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