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Conversa Sentada

O júri e seus mistérios

Na semana passada, o Estado e o País foram tomados por um assunto que movimentou toda a imprensa. Não vou analisar o processo em si, mesmo porque estaria cometendo uma falta ética. Simplesmente vou me ater ao que observei na minha vida, tendo presidido dezenas e dezenas de júris.

O primeiro que presidi foi no início da carreira, na cidade de Arroio do Meio, em 1973. Impressionante: contando ninguém acredita. Praticamente não havia o que fazer no Fórum. Como já narrei em outra coluna, a cidade era calma, pequena, tranquila. Os processos criminais eram coisas simples, nada grave. Não chegavam a 100. No cível, como lá todo mundo pagava as contas e era trabalhador, os feitos não chegavam a 200. Certo dia, porém, dois forasteiros se desentenderam, um deles tinha um facão e matou seu desafeto. O matador era pobre e tive que lhe arranjar um defensor dativo, pois na época não havia a Defensoria Pública. O pequeno Fórum não tinha sala do júri (para quê, se ninguém matava ninguém em Arroio do Meio?), de modo que o julgamento se deu no salão de um clube social local. Foi um acontecimento. Salão lotado.

Meses depois o presidente do Tribunal de Justiça me chamou a Porto Alegre e perguntou se eu, a par de continuar jurisdicionando  minha comarca, aceitaria assumir um “regime de exceção” em Soledade, pois os dois magistrados de lá não davam conta do serviço, tendo deixado, por força do volume de processos, os júris para trás.

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Respondi: senhor presidente, sou de Santa Cruz e comigo não tem tempo ruim!

– Por isso o chamei, me disse o desembargador Muñoz.

Assumi e me defrontei com outros costumes e modos de vida. Os tiroteios eram frequentes por questões de terra, desavenças entre vizinhos, borracheira nas carreiras de cavalo. Era comum ver-se pessoas armadas caminhando pela cidade.

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Tempos depois fui promovido para Santiago, onde o quadro era parecido.

Eram muito usadas as expressões “fulano matou bem”, “beltrano matou mal”. Dada a cultura local, eu estranhava tanto certas condenações, como certas absolvições, o que me levou à conclusão de que o corpo de jurados sabia, pela convivência num lugar pequeno, de coisas que não estavam nos autos. Hoje, sob minha melena gris, posso afirmar que condenações e absolvições germinavam bem antes da sessão de julgamento.

Várias vezes ouvi relatos de condenações mesmo tendo o promotor pedido absolvição. São os mistérios do tribunal do júri. Principalmente em cidades pequenas e médias, onde todo mundo se conhece. O jurado não precisa fundamentar sua decisão. Deu para entender?

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