A renomada revista The Paris Review o classificou como uma “instituição literária”. O que não é pouca coisa. E o escritor e editor italiano Roberto Calasso, 78 anos, é exatamente isso: um autor cuja leitura é incontornável e indispensável. Uma prova é seu novo livro, que agora chega às livrarias, O inominável atual, sob o selo da Companhia das Letras, que tem trazido boa parte de sua obra para o leitor brasileiro, em edições bastante acuradas.
Neste volume, Calasso, florentino nascido em 30 de maio de 1941, reflete sobre alguns dos grandes dilemas da atualidade no mundo. Tomando por base outros eventos e acontecimentos “inomináveis”, em especial os do traumático século 20, marcado por dois grandes conflitos de alcance global, pelos campos de concentração, pela guerra fria e pela ameaça de uma guerra nuclear, o autor aponta elementos contemporâneos que, definitivamente, não poderiam nos deixar muito tranquilos. O objetivo logo transparece: confrontar o leitor com o fato de que, num mundo em constante transformação, não estamos exatamente sendo capazes de aprender algo com o passado, e muito menos de fugir ao comportamento nocivo que o ser humano protagoniza a cada nova geração. Ou seja, enquanto humanidade, no conjunto, parece que nunca conseguimos evoluir ou atingir um estágio de equilíbrio, coexistência pacifica e coerência: a violência, a agressividade, o egoísmo, a ganância e a prepotência, basta que se manifestem em uma nação ou em uma região e todas as demais saem contaminadas.
Uma das marcas de descontrole pode estar inclusive na periódica disseminação de ameaças à saúde, que põem por terra todo e qualquer controle ou autocontrole de uma nação ou ignoram fronteiras, credos, crenças ou status social. Junte-se a esse cenário a oscilação constante que se verifica no ambiente da economia, submetida a humores inapreensíveis, e ainda os terroristas, os fundamentalistas, os hackers, os justiceiros por conta própria, e se tem um cenário repleto de fatores difíceis ou quase impossíveis de nominar.
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Arte
Calasso ainda recorre à própria arte, à literatura em particular, seu terreno de atuação, para referir obras e lampejos de gênio que traduziram esse inominável em enredo. Muitas vezes, numa distopia ou num romance histórico ou de costumes, essa metáfora se presentifica para o leitor. O inominável atual é originalmente de 2018, e no Brasil foi antecedido por O ardor, em 2016, no qual se dedica a elucidar a cultura dos vedas, povo que habitou o norte da Índia há mais de 3 mil anos e do qual os próprios indianos herdaram crenças, mitos e costumes, firmados nas brumas do tempo. A essa tradição já havia dedicado outro ensaio singular, Ka, lançado no Brasil em 1999, vocábulo que na mitologia dos vedas, ou dos indianos atuais, significa “quem?”
Em outro momento, ocupou-se de um dos maiores poetas da história, o francês Charles Baudelaire, no estudo A folie Baudelaire, lançado em 2012, e do incontornável Franz Kafka, no ensaio K., de 2006. Calasso escreve com muita facilidade, o que só ressalta sua capacidade de aliar erudição, profundidade de reflexão e comunicabilidade. É um mestre, e isso para mestres e aprendizes.
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