Eu estava com 13 anos e estudava no Colégio São Luiz, em Santa Cruz do Sul. Certo dia vieram à nossa casa dois padres conversar com meus pais. Ao cabo de uns minutos meu pai me chamou e perguntou se eu concordava em estudar no Colégio Santo Inácio que se situava no Kappesberg, na chamada estação São Salvador. Se percorresse todas as etapas eu poderia me tornar um sacerdote católico. Pensei um pouco e concordei.
Lá chegando com vários colegas de Santa Cruz, não demorei a me adaptar. Havia três divisões, conforme fosse a idade do seminarista. Jamais se ouvia rádio. TV ainda não existia. Certo dia de julho de 1958, estávamos no pátio, quando um Padre nos disse que o Brasil se sagrara campeão mundial graças a um jogador chamado Pelê (assim mesmo, com “e” fechado).
Cada seminarista tinha um número. O meu era 80. Em todas as roupas estava marcado, num lugar discreto, esse número para que não houvesse confusão na lavanderia.
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Às vezes, ainda de madrugada, encostava um caminhão de carga, subíamos todos na carroceria e íamos para algum lugar acampar por um dia. Era o chamado “passeio grande”. Imagina hoje um monte de guris na carroceria de um caminhão estrada afora.
Para os meninos vindos das “colônias novas”, filhos de agricultores, o seminário era o único meio de conseguirem estudar. Não era meu caso. Tão sólido era o estudo que a maioria passava facilmente nos vestibulares da Ufrgs.
Pouquíssimo se usava dinheiro. Para necessidades como sabonetes, desodorantes e essas coisas, havia uma espécie de lojinha em que eram anotadas as compras, a serem acertadas depois com os pais. Não havia refrigerantes, muito menos bebidas alcoólicas. A carne era suficiente, mas nem de longe a gastança de hoje. Frutas havia à vontade.
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Ao findar meu segundo ano de Kappesberg decidi sair. Não tinha vocação para o sacerdócio e além do que estouravam nas minhas veias os hormônios da adolescência. E ainda havia o problema do celibato.
Quem voltou para Santa Cruz foi um cara que não ouvira nada de Elvis Presley, que não sabia jogar basquete (a moda em Santa Cruz), que não fumava (apesar de já ter 15 anos), nem bebia. Além disso, não dizia palavrão, nunca tinha nem passado perto da “zona”, nem sabia o que era “secar” uma guria. Esse era eu.
Nunca encontrei um só ex-seminarista que não tenha sido feliz com aquela vida espartana e não recorde com gratidão e satisfação os ensinamentos lá hauridos. Na próxima sigo com a vida no interior do seminário, o longo tempo longe dos pais e da família, as orações e outras situações.
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