O impossível acontece

O título desta coluna é o mesmo de um breve poema do mineiro Affonso Romano de Sant’Anna. Costumo lembrar dele quando os problemas parecem difíceis demais.

“O Messias nasceu de uma virgem.

O grande pensador grego nunca escreveu um livro.

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A nona sinfonia é fruto de um homem surdo.

Na Biblioteca de Babel o leitor era um poeta cego.

E não tinha mãos o homem que fez as mais belas esculturas do meu país.”

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O texto faz referência a algumas figuras históricas que, apesar de obstáculos aparentemente intransponíveis, deixaram um legado que atravessou épocas. Por exemplo, “não tinha mãos” o Aleijadinho, ou Antônio Francisco Lisboa, o maior artista do Brasil colonial. O escultor e arquiteto que criou muitas igrejas, capelas e altares imponentes em Minas começou a mostrar, por volta dos 40 anos, sinais de uma doença degenerativa que deformou seu corpo – fala-se em lepra, mas não há certeza. Com a perda progressiva do movimento dos dedos, foi obrigado a ter seus instrumentos atados às mãos para conseguir trabalhar. Aleijadinho andava de joelhos, pois havia perdido os dedos dos pés. Mas isso não fez com que parasse; ao contrário, especialistas em arte dizem que a evolução da enfermidade coincidiu com sua fase mais brilhante.

O homem que compôs a nona sinfonia é, claro, o alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827). Ele começou a ter perda auditiva aos 27 anos e já estava praticamente surdo aos 48. Mesmo assim, a última sinfonia que criou é considerada a sua maior obra-prima: a nona, declarada pela Unesco patrimônio cultural da humanidade.

E o leitor cego da biblioteca era o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Um dos maiores escritores da história, Borges produziu grande parte de seus textos sem enxergar; ditava-os a familiares e amigos. Em seus contos, como A Biblioteca de Babel, o impossível acontece: criaturas sonhadas ganham corpo na realidade, antiquários guardam livros com páginas infinitas, um ancião conversa com sua versão jovem em um banco de praça.

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Mesmo diante das sombras mais densas, o poeta nos lembra que a vida está sempre grávida de “possíveis”. É um alento.

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