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O herói dos quadrinhos e a relação dele com Santa Cruz

São muitos anos vividos longe de Santa Cruz do Sul, mas isso não significa que a cidade tenha saído do seu horizonte de atenção. O chargista, ilustrador e desenhista Henrique Antonio Kipper, a poucos dias de completar 49 anos, ainda lembra dos seus primeiros passos na profissão, quando estava com 17 anos, e que o levaram à equipe da Gazeta do Sul.

Hoje radicado em São Paulo, começa a ensaiar uma espécie de nova guinada na trajetória pessoal e profissional, depois de ter alcançado pleno sucesso, dentro e fora do País, com suas produções em ilustração e desenho, com destaque para os quadrinhos. À série Mundo de Letras, por telefone, a partir de seu apartamento em Guarulhos, nas imediações do aeroporto internacional sediado na cidade de 1,5 milhão de habitantes (do tamanho de Porto Alegre), conta das andanças e dos planos atuais.

Foto: Divulgação

 

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Henrique até não é santa-cruzense, mas seus pais, já falecidos, eram, e ele próprio viveu por aqui a fase de definição de rumos da adolescência e da chegada ao mundo adulto. Em virtude da característica nômade, por assim dizer, de seus pais, ele nasceu em Novo Hamburgo, no dia 3 de julho de 1970, de maneira que faz aniversário na próxima quarta-feira. Seu pai, Guido Henrique Kipper (ou seja, seu nome advém do segundo nome do pai), era da família da tradicional olaria Kipper do então Arroio Grande, fundada pelo seu avô Antonio (que ele homenageia com o seu segundo nome).

Foto: Divulgação

 

Do mesmo bairro era natural a sua mãe, Iris Yvonne Berlt. Quando se conheceram e se casaram, seu Guido e dona Iris iniciaram um périplo por diversas regiões gaúchas, da área metropolitana a Quaraí, na fronteira, e a Cachoeira do Sul. Com passagens esporádicas por Santa Cruz, de maneira que Henrique viveria nessa cidade na infância e depois na adolescência, dos 12 anos em diante. E por aqui frequentou o ginásio, no Colégio São Luís.

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Filho único, Henrique encontrou na predileção da mãe por histórias em quadrinhos um gosto comum. Não foram poucas as vezes, como lembra, em que, nas idas até o São Luís, dava uma passada n’A Banca do centro para conferir os gibis de personagens de Walt Disney ou de super-heróis. Como desde muito cedo descobriu que também tinha o dom do desenho e da composição de histórias, eleger essa área de interesse foi quase natural.

“Comecei a ler muito cedo, e logo estava devorando textos e livros mais longos, não apenas gibis”, recorda. Aos 17 anos, ao final de 1987, apresentou-se na Gazeta do Sul e foi incorporado como chargista e ilustrador. Menciona que foi determinante o apoio recebido do então chefe de Redação, Romeu Inacio Neumann, e do editor de Cultura e Variedades da época, jornalista Flávio Costa, hoje radicado em Curitiba.

HORIZONTES

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“Ainda que não tenha nascido aí, penso que Santa Cruz foi decisiva na minha aposta como ilustrador e desenhista. O que decidi fazer na vida escolhi aí, também graças à boa formação que obtive no São Luís, e da oportunidade que tive na Gazeta”, frisa. Em 1988 iniciou o curso de Comunicação Social, voltado ao Jornalismo, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mas a disposição de, ainda jovem, alçar voos em busca de novas oportunidades levou-o a Florianópolis, ao Diário Catarinense.

“Talvez nos dias de hoje minha decisão, se tivesse 17 anos, fosse diferente, em uma época que oferece múltiplas possibilidades de contato com o mundo, não importa onde se viva”, diz. “Já não é preciso sair de onde se está para aprender e conhecer, ainda mais na área de desenho. Mas, naquele momento, na virada dos anos 80 para os 90, as chances maiores estavam no eixo Rio-São Paulo.”

Por isso, um ano depois de chegar a Florianópolis já se mudou para São Paulo, onde foi incorporado à Folha da Tarde, que ficava no segundo andar da Folha da Manhã e que tinha a Folha de S. Paulo no andar de cima do prédio. Ficou nesse veículo até 1993, quando se mudou justamente para a Folha, um andar acima, e nela permaneceu como ilustrador de editorial por dez anos. Por parte desse tempo, entre 1999 e 2002, na virada de milênio, atuou à distância, pois fora morar em Lisboa, trabalhando ainda junto aos jornais Público e Independente e à revista Focus, uma equivalente à revista Época na mídia lusitana.

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Foi sua jornada estrangeira, durante a qual se vinculou ainda à popular revista Reader’s Digest, com a qual colaborou, com seção fixa, por duas décadas, até o mês de maio deste ano. “Foi ainda um período maravilhoso pois me engajei na estruturação de um coletivo de quadrinistas brasileiros, que lançaram algumas ideias interessantes e se uniram na concretização de diversas publicações”, refere. Essa aproximação com outros profissionais de sua área tornou-se uma constante em sua vida, sempre disposto a compartilhar sua expertise e seus conhecimentos e a ampliar seus próprios horizontes.

O QUE LER
Livros, quadrinhos e outras publicações de Henrique Kipper

Livros de sua autoria (texto ou quadrinhos)
– A Happy House in a Black Planet 2: Introdução à subcultura gótica (2018) – texto
– Mondo muerto 2: contra o Planeta dos Palhaços, quadrinhos (2016) – roteiro e desenho
– A Salamanca do Jarau Adaptação de Simões L. Neto em quadrinhos (2015) – adaptação e desenho
– Mondo muerto, quadrinhos (2014) – roteiro e texto
– A Happy House in a Black Planet: introdução à subcultura gótica (2008) – texto
Contos em coletâneas:
– A peste, conto, em Mundo de Fantas, org. Celly Borges (2015)
– O marsupial, conto, em Noites sombrias, org. Raquel Pagno (2015)
– Roteiro e desenho para quadrinhos e tiras (como autor)
– Mondo muerto 2: contra o Planeta dos Palhaços, quadrinhos (2016) – roteiro e texto
– Mondo muerto, quadrinhos (2014) – roteiro e texto
– Mondo muerto, série online de humor (2006-2015)
– Escola de Deusinhos, quadrinhos, Folhinha (2001-2002)
– Mil perigos, quadrinhos (1995)
– Dragon, quadrinhos (1994)
– Sport Gang, quadrinhos (1990-94)
– James Jeans, tira de quadrinhos (1989-1994)
– Charges e quadrinhos, Gazeta do Sul e Alto Falante (1987-1989)

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O vínculo com Santa Cruz

Ao voltar a morar no Brasil, Henrique Kipper vinha com frequência visitar os pais em Santa Cruz. Mas em 2004 perdeu a mãe, dona Iris, e chegou a propor ao pai que fosse morar com ele em São Paulo. No entanto, seu Guido não se adaptou bem ao ritmo de vida por lá e decidiu retornar a Santa Cruz, onde acabou falecendo em 2009. Por essa época, desde 2004, Henrique casara-se com a psicóloga Flávia, nascida na capital paulista. Estão juntos há 15 anos, e têm a filha Beatriz, de 8 anos – de um relacionamento anterior, Henrique é pai ainda de Dimitri, 26 anos, que atua com design de games.

Ao longo de três décadas, firmou seu nome como desenhista e ilustrador, tendo conquistado alguns dos mais importantes prêmios na área. Junto a editoras de atuação nacional, como Abril, Saraiva, Atual e Ática, esteve em trabalhos e publicações em revistas de quadrinhos e publicações didáticas ou infantojuvenis de literatura.

À medida que firmava seu olhar sobre a atividade, começou a editar e organizar revistas, como Front 15 anos, em 2016; Happy House e Gothic Station, entre 2017 e 2018. Respondeu por roteiro e desenho para quadrinhos e tiras, como autor, caso de A Salamanca do Jarau, adaptação de conto de Simões Lopes Neto para quadrinhos, em 2015, tendo feito a adaptação e os desenhos; Sport Gang, de quadrinhos, entre 1990 e 1994; Dragon, de quadrinhos, em 1994; Mil perigos, de quadrinhos, em 1995; e Mondo muerto, de quadrinhos, em 2014. Além dos quadrinhos, são de sua autoria diversos livros, com texto ou quadrinhos.

Atualmente, trabalha em home office, atendendo a demandas em suas áreas de especialização. E também começou a se interessar por tradução, a partir de recente formação em Letras – Inglês. Ao lado da esposa Flávia, por cerca de 15 anos agitou o underground paulistano como ativista cultural, na organização e na promoção de eventos musicais, de arte e cultura, atuando inclusive como DJ. “Um efeito colateral de se estar ou se sentir realizado profissionalmente é que a certa altura parece que já não há mais um grande desafio a vencer. E então a gente começa a procurar outras coisas para se ocupar”, brinca.

Segundo ele, a expectativa agora está em novos projetos justamente envolvendo tradução, entre português e inglês, e talvez coletâneas de textos e desenho. Para as novas gerações, lança a dica de que as áreas de revistas de HQ e de animação seguem com demandas “monstruosas”, como define, junto a editoras e agências do mundo todo. “É um tanto anônimo fazer o desenho para revistas ou para animação, mas para quem ainda não tem pretensão de apresentar um trabalho autoral hoje é uma bela área para atuar”, comenta.

A partir do momento em que perdeu os pais, e sendo filho único, de certa forma interrompeu o contato regular com Santa Cruz. “Há muitos anos não fui mais aí”, conta. No entanto, entre o começo de tudo, ao final da adolescência, e a vida na proximidade dos 50, Henrique segue com a corda toda, sempre dinâmico e inventivo. E com visada ampla sobre o universo cultural da melhor qualidade e com conteúdo de profundidade. É, sem dúvida, uma trajetória muito bem-ilustrada.

Foto: Divulgação

 

MUNDO DE LETRAS

A matéria com Henrique Kipper constitui a décima-sexta da série “Mundo de Letras”, idealizada pelo Magazine para destacar autores relevantes na literatura do Vale do Rio Pardo. Confira os já contemplados:
Valesca de Assis, escritora;
– Airton Ortiz, jornalista e escritor;
– Sérgio Schaefer, romancista;
– Mauro Klafke, poeta e escritor;
– Moina Fairon Rech, escritora;
– José Alberto Wenzel, escritor e ambientalista;
Lissi Bender, escritora e professora;
– Ronaldo Wink, arquiteto, professor e escritor;
Benno Bernardo Kist, jornalista e escritor;
– Valquíria Ayres Garcia, escritora e contadora de histórias;
– Gil Kipper, desenhista, ilustrador e escritor;
– Elenor José Schneider, professor e escritor;
Rudinei Kopp, escritor e professor universitário.
Mauro Ulrich, jornalista e poeta;
Léla Mayer, escritora, professora, pedagoga e contadora de histórias;
– Henrique Kipper, chargista, desenhista e ilustrador nascido em Novo Hamburgo, que cresceu em Santa Cruz e mora em São Paulo.

A próxima matéria, em julho, vai contemplar a escritora santa-mariense Lélia Almeida, que morou em Santa Cruz e está radicada em Porto Alegre.

Naiara Silveira

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.

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Naiara Silveira

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