Entre os pedidos da cartinha que nossa caçula, Ágatha, escreveu ao Papai Noel com a chegada do último Natal, constava um hamster. O Bom Velhinho, contudo, fez de conta que não viu esse item. Talvez tenha considerado que o índice demográfico já anda elevado lá em casa, ou avaliou os custos operacionais exigidos para garantir o bem-estar do bichinho. E presumiu que, atendendo às demais solicitações da traquinas, ela se contentaria.
De fato, passado o Natal, em nenhum momento Ágatha queixou-se da aparente omissão do Papai Noel. Afinal, não é auspicioso reclamar do Bom Velhinho. Contudo, mais recentemente a caçula passou a insistir que deveríamos levá-la ao shopping, pois precisava colocar em circulação alguns trocados que vinha economizando. Tanto pediu que a levamos, devidamente equipada com sua máscara de estampa de unicórnios e o frasco de álcool gel na bolsa.
Uma vez no shopping, procurou daqui, procurou dali e, enfim, encontrou um hamster – no caso, um de pelúcia. Mais precisamente, um chaveiro de pelúcia em forma de hamster, com correntinha e argola para as chaves. Comprou-o, batizou-o de Marshmallow – por ser muito fofinho e cheiroso, segundo explicou – e o trouxe para casa.
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Foi aí que começou nosso tormento.
***
Ocorre que a traquinas, em uma jogada astuta, passou a brincar com Marshmallow como se fosse um hamster de verdade. Arrumou-lhe acomodações forradas com papel picado, oferecia-lhe comida e água e – pior – conversava com o hamster-chaveiro, como se ele pudesse, de fato, interagir.
– Oi, Marshmallow! Vamos brincar?
– Nossa, é hora de limpar sua casinha!
– Como você está quieto hoje…
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Não demorou até que aquelas cenas derretessem o coração de mãe da Patrícia.
– Não aguento mais ver isso – desabafou comigo.
– Não suporto mais vê-la fazendo de conta que um chaveiro é um bichinho de verdade. O golpe, enfim, dera certo. E lá fomos nós à petshop, em busca de um hamster de pelo, carne e osso.
O hamster – no caso, o de verdade – ganhou o nome de Gamy. Imaginei que a caçula usaria o mesmo nome do primeiro, mas, segundo me explicou, isso causaria transtornos.
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– Daria confusão, na hora de chamar um ou o outro.
De início, Gamy mostrou-se um hamster educado e afetivo, um tipo que não causaria problemas. Mas, ao cabo de dois ou três dias, passou a dar sinais de irritação. Guinchava, corria sem parar na gaiola e tentava escalar as paredes, em um nítido plano de fuga.
Concluímos que faltava-lhe entretenimento e lá fui eu novamente à petshop, agora em busca de uma roda para instalar na gaiola. E dei razão ao Papai Noel: realmente, um hamster dá custo e trabalho.
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Gamy adorou a roda. Por um tempo, contentou-se em correr dentro dela, fazendo-a girar a toda velocidade. Tanto que até cogitei transformá-la em um gerador de energia elétrica.
Mas Gamy logo percebeu que a roda tinha outra utilidade: afiar os dentes. Passou então a dedicar longas horas à atividade de raspar os dentões nos aros da roda, transformando-os em perigosas navalhas. E, agora, quase não se deixa apanhar. Quando algum de nós tenta pegá-lo – nhac – leva uma mordida na mão.
A única que escapa de suas perigosas investidas é justamente a Ágatha. Com ela, o tratamento é outro: Gamy fica dócil e carinhoso.
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Talvez o bichinho pressinta que é graças à caçula que ele está lá em casa, cercado de mordomias. Ou apenas goste das longas conversas que tem com ela…
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