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O grande combate

O cristão Medardo, visconde de Terralba, vai à guerra contra os turcos. Durante uma batalha acirrada, ele recebe um balaço de canhão que o divide em dois. De forma milagrosa, Medardo sobrevive, mas deste jeito estranho: partido em duas metades exatas, uma extremamente bondosa e outra incrivelmente perversa. Claro, tudo isso é ficção. Assim começa a história de O visconde partido ao meio, fábula clássica de Italo Calvino, publicada em 1952.

As duas representações, positiva e negativa, compõem o visconde; ele não existe como indivíduo completo sem a coexistência de ambas. Calvino mostra assim a ingenuidade e o equívoco de uma visão de mundo binária, que tende a classificar pessoas, grupos ou populações inteiras como estritamente “bons” ou “maus”. E, com isso, cria diante de si um campo de batalha permanente.

É uma antiga maneira de simplificar a realidade, complexa e contraditória por natureza: enxergá-la como uma imensa arena onde bem e mal travam um combate de morte. O bem, obviamente, sou eu e quem concorda com minhas ideias; o mal é todo o resto. Mas a história mostra que, definida essa diferença fundamental, o dono da verdade e da virtude se sente autorizado a qualquer coisa para derrotar o maligno, inclusive toda espécie de violência e indignidade. Nos tempos do Santo Ofício, inquisidores cheios de Deus no coração torturavam as vítimas das formas mais sádicas e cruéis. Mas o Senhor estava com eles, então tudo bem.

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Essa divisão rígida, que atravessa os tempos, é criticada pelo filósofo Friedrich Nietzsche no ensaio A filosofia na era trágica dos gregos. “Na verdade, a todo instante luz e trevas, amargor e doçura estão pegados um ao outro e pelo outro, como dois combatentes, dos quais por vezes um por vezes o outro obtém vantagem”, escreve. Há um conflito, mas travado dentro de cada um: todos trazem em si as metades de Medardo de Terralba. “Chega de preto e branco. Só o cinza é humano”, já dizia o escritor Romain Gary.

Se há um mal que precisa ser controlado é o instinto agressivo do ser humano, a hostilidade latente de cada um contra todos e de todos contra cada um. E que, em épocas de crise e rupturas, transborda em níveis intoleráveis.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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