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O golpe do sequestro

Na coluna de hoje vou tratar de um assunto preocupante e temeroso, que foge às amenidades geralmente abordadas neste espaço. Mas o faço com intuito de alertar os amigos leitores para a ação de criminosos que seguem aplicando o chamado golpe do sequestro. Ocorre que, dias atrás, tive mostras de quanto a ação desses bandidos é assustadora.

Esse golpe não é novo. Basicamente, funciona assim: os golpistas telefonam aleatoriamente para alguém e colocam na linha uma pessoa aos prantos, que pede socorro à mãe ou ao pai, dependendo da voz de quem atende. O instinto do pai ou da mãe, nesse caso, é deixar escapar o nome do filho ou filha que imagina estar em busca de ajuda:

– Fulano, é você?

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Pronto. A partir daí, os criminosos têm o nome do filho da vítima, informação valiosa para intimidá-la. Relatam então que sequestraram Fulano e passam a cobrar resgate para libertá-lo com vida. Via de regra, exigem créditos de celular, número e senha do cartão de crédito ou uma transferência bancária para a conta de um laranja.

Ao longo dos dez anos em que fui repórter policial aqui na Gazeta do Sul, acompanhei vários casos nesse formato. Mas, pela primeira vez, testemunhei o golpe de forma bem próxima, com um membro da família: o alvo dos criminosos foi a minha sogra.

O telefonema assustador ocorreu durante a madrugada – possivelmente, uma estratégia para apanhar a vítima sonolenta. Do outro lado da linha, os bandidos relataram ter invadido a casa da minha cunhada e disseram estar lá dentro, mantendo-a sob a mira de armas. Alertaram que, se a polícia fosse acionada, o assalto não terminaria bem para a refém.

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Minha sogra, muito assustada e agindo por instinto, bateu o telefone e tratou de ligar para minha cunhada. Contudo, como esta mantém o curioso hábito de dormir cedo, não acordou com as chamadas no celular. E a tensão foi aumentando.

Em desespero, a sogra ligou então para minha esposa e relatou o ocorrido. E, quando a Patrícia me colocou a par da situação, a experiência de uma década como repórter policial falou mais alto:

– É golpe! – sentenciei.

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Porém, a Patrícia, também assustada, lançou-me aquela pergunta que costuma colocar a sapiência de qualquer um em xeque:

– Tem certeza?

Seguiram-se então alguns valiosos segundos de indecisão. Cogitamos ligar para o 190, mas a grande possibilidade de que tudo não passasse de um engodo nos desencorajou. Imaginamos o fiasco que seria mandar a Brigada acordar minha cunhada no meio da noite.

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E decidi eu mesmo ir até lá. Talvez não tenha sido a atitude mais recomendável, mas cumpre ressaltar que meu plano não era arrombar a porta da casa, invadir o lugar com um salto acrobático e desferir golpes de kung fu nos bandidos. Pretendia apenas me certificar de que não havia movimento na casa ou algum carro suspeito nas proximidades. Caso houvesse, discaria para o 190.

Para resumir a história, constatou-se, enfim, que estava tudo bem; e, felizmente, o prejuízo imposto pelos bandidos foi tão somente um grande susto e uma noite insone para minha sogra.

Contudo, ter vivido essa experiência temerosa nos ajudou a compreender melhor o que passam as vítimas e a entender por que muitas realmente caem nesse golpe e em outros. Afinal, sempre que surge uma notícia sobre alguém que é vítima do golpe do sequestro ou do conto do bilhete, todos se perguntam:

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– Mas como alguém ainda é tolo a ponto de cair nesse golpe?

Ou ainda:

– Deve ter gasto o dinheiro na farra e agora precisa dar uma justificativa em casa.

Mas não é bem assim. No golpe do sequestro, os bandidos mexem com o que é mais sagrado para as pessoas: a vida de seus entes queridos. E isso dá um medo danado.

Já no conto do bilhete, a estratégia é outra, conforme descobri entrevistando várias vítimas, na época de repórter policial. Todo mundo já sabe que o golpe envolve um criminoso que chega humilde e maltrapilho, pedindo ajuda para trocar um bilhete de loteria “premiado”. Todo mundo sabe também que esse sujeito propõe à vítima um acordo: promete-lhe parte do prêmio, caso ela faça a troca do bilhete pelo dinheiro – contudo, exige que a pessoa deixe com ele as suas economias, como garantia de que ela não fugirá com a bolada toda. Também é sabido que o conto envolve um segundo golpista, este bem-vestido e bem articulado, o qual se intromete na conversa e fala sem parar o tempo todo.

O que pouca gente sabe, contudo, é que há um terceiro estelionatário envolvido, que não aparece, mas é responsável por dar credibilidade ao esquema. Ele entra em cena quando o sujeito bem-vestido pega o celular, simula uma ligação para a lotérica e pede que sejam informados os números sorteados. Então, passa o telefone para a vítima. Do outro lado da linha, o terceiro comparsa, passando-se por atendente, cita os números – exatamente os mesmos que aparecem no bilhete apresentado pelos golpistas. Na minha opinião de jornalista, esse terceiro, que age nos bastidores, é o grande trunfo dos bandidos, por levar a vítima a crer que o bilhete fora mesmo premiado.

Fica o alerta.

O uso do celular talvez seja a grande inovação do conto do bilhete, uma das formas de estelionato mais antigas da história. A inspiração dos golpistas vem do antiquíssimo conto do vigário, que fez várias vítimas no século 19, em Portugal. Conta-se que, na época, dois malandros chegavam às residências passando-se por emissários do vigário. Apresentavam então uma mala, que estaria cheia de dinheiro, pesada demais para seguir viagem com eles. Pediam então que o morador guardasse a mala, mas exigiam valores como garantia de que ela permaneceria intacta. Fosse em reverência ao vigário, fosse pelo dinheiro da mala, a resposta do dono da casa costumava ser a mesma:

– Ora, pois. Se o vigário está a pedir, cá estou para ajudar!

E lá se iam os gajos, levando as economias do Manuel e deixando para trás uma mala cheia de pedras. Prova de que os golpes são, também, uma maldição secular, tanto daqui quando d’além-mar…

Hora do merchandising

Já que estamos falando em crimes, aproveito para avisar que segue à venda meu livro Crônica Policial (Clube dos Autores, 2020). Ele reconta uma série de casos policiais reais ocorridos no século passado e no atual, no Vale do Rio Pardo. A compra ocorre exclusivamente pela internet, neste link. O livro, impresso, chega a sua casa com segurança pelos Correios. Já quem prefere a leitura online, no Kindle, pode fazer a compra neste link.

Um abraço e bom fim de semana!

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