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O fim de uma era em Vera Cruz: Guido Hoff vai se aposentar

O dia era segunda-feira, calor de agosto. Eis que toca o telefone: “Maninho, tenho que te contar uma coisa. Terça-feira, 9 horas, aqui no meu gabinete.” Esse foi o convite recebido para contar uma história de vida pública de 58 anos. No apagar das luzes do tumultuado 2020, Guido Hoff, 77 anos, prefeito quatro vezes de Vera Cruz, encerrará um ciclo iniciado em 1962, quando o ex-seminarista decidiu dar seu nome para cumprir legenda à Câmara de Vereadores do jovem município recém-emancipado. Pelas mãos dele passaram o progresso, a educação, o asfalto, o telefone automático e um dos maiores desafios da história: gerir uma cidade em meio a uma pandemia. Satisfeito, Hoff decidiu compartilhar primeiro com a Gazeta do Sul todos os sentimentos desta nova fase.

O professor que quase foi padre
Aluno nos seminários de São Francisco de Assis, de Taquari, e do Convento São Boa Ventura, em Imigrante, Guido Hoff quase foi padre. Sim, a tendência era que o filho do seu João Hoff Terceiro e de dona Ana, nascido em Linha Floresta, Ferraz, interior de Vera Cruz, entrasse para o sacerdócio.

Para contar essa história, o bem-humorado Guido faz piada. Diz que interpretou errado um gesto do reitor do seminário, em Imigrante. “Eu vinha caminhando e pensando: Guido, toma jeito, tu vai ser padre. Eu vi o reitor afiando uma faca, para carnear o porco, e de repente desisti de ser padre”, narra, em meio ao riso.

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Por ter estudado para o sacerdócio – vínculo que mantém, dado ser ministro da Igreja Católica – Guido pôde ser professor. Foi dar aulas em uma escola multisseriada de Linha Tapera. Era professor respeitado, presidente do círculo de pais e mestres, educava crianças e adultos, por meio do Mobral. De lá, ele foi para a política. Conta que o então Partido Democrata Cristão, o PDC, queria criar uma bancada de nomes para o Legislativo vera-cruzense. “Vamos chamar o professor. Ele não se elege, mas vamos chamar ele, que estudou para ser padre. Eu me elegi com 127 votos.” O feito ocorreu quando Hoff tinha apenas 18 anos, tornando-se então o vereador mais jovem do Brasil, em uma época que a função não era remunerada. Por dois mandatos o professor foi vereador, sem salário.

Hoff lembra quando, em 1972, assumiu o governo municipal, eleito prefeito pela primeira vez. Conta que precisou preparar-se, sobretudo, para ter responsabilidade. “Essa responsabilidade eu levo até hoje. Tu administrares o dinheiro do povo, por meio de um voto de confiança, é uma responsabilidade extraordinária. Ter que gerir com seriedade e transparência é uma responsabilidade muito grande.”

Ele se deparou com muitos desafios, como planos econômicos, mudanças de governos, inflação, crises, estiagens e tudo mais que os livros de história contam sobre a trajetória do Brasil nas últimas seis décadas. Contudo, cita como o período mais delicado, em todo esse tempo, os anos do seu último mandato. Troca de presidente, crise econômica, dificuldade de recursos e pandemia. “Este período é o pior em matéria de finanças. Mas mesmo assim, dentro do critério sério, graças à nossa equipe.”

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Os grandes parceiros
Pela larga caminhada na política, Hoff coleciona memórias fotográficas e visitas importantes, tanto em Vera Cruz quanto no centro do poder, em Brasília. Lembra-se de quando conseguiu recursos para a agricultura, nos anos de 1980. Na ocasião, inclusive, quebrou os protocolos em solenidade com José Sarney, abraçando o presidente em meio a ministros e secretários, no Palácio da Alvorada.

Porém, entre os parceiros sempre lembrados estão o governador do Estado de 1983 a 1987, Jair Soares; o atual prefeito de Santa Cruz do Sul, Telmo Kirst – principalmente pelo trabalho desenvolvido no período em que foi secretário Estadual dos Transportes e deputado federal – e os membros da família Moraes: os deputados Sérgio, Kelly e Marcelo.

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“Eu vejo aqui uma fotografia, com os canos do início da obra da Rua Padre Feijó. Quem conhece ela sabe que não ligava nada a coisa nenhuma, era um trilho. Graças ao Telmo e ao Jair, transformamos essa rua em uma importante via”, comenta.

“Silverius Kist, o Kistão, e mais recentemente o deputado Heitor Schuch também foram muito importantes”, acrescenta Hoff. Segundo ele, todos esses políticos da região e do Estado foram fundamentais para o protagonismo de Vera Cruz.

Recebendo a Prefeitura de Nestor Frederico Henn

O entusiasta
Otimista por nascimento, o prefeito Guido conta seu segredo para tanta disposição. O simpático vovô, quando chega todos os dias na Prefeitura, brinca e cumprimenta a todos e nunca deixa de ser positivo. “Eu agradeço a Deus por essa característica de sempre estar alegre. Eu nunca abaixo a cabeça, por pior que seja, sempre é preciso ter entusiasmo, garra e alegria, isso contagia.” Essa motivação dele é natural, explode sempre que necessária.

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A invenção do transporte escolar
Inquieto desde seu primeiro mandato, Guido Hoff nunca se conformou com o mínimo. Das pontes, asfaltos, estradas e acessos para melhorar a infraestrutura até a educação e as comunicações, sua gestão sempre foi de vanguarda.

No fim da década de 1970, Vera Cruz inaugurou o sistema de telefonia automática, um salto para quem estava acostumado a mediar a chamada telefônica com a telefonista. Anos mais tarde, em 1984, o município seria um dos primeiros a ter telefone – automático – no meio rural também. “O telefone automático foi a maior vitória para Vera Cruz, assim como a eletrificação rural. Fomos o primeiro município do País a ter esse serviço.” Outra iniciativa de Hoff foi o transporte escolar. “Eu trouxe todos os alunos do interior para a Praça José Bonifácio, para receber o secretário estadual da Educação, Mauro da Costa Rodrigues”, lembra. Naquele ato, a comunidade pediu a finalização da construção do Colégio Vera Cruz, o Polivalente, inaugurado no dia 4 de julho de 1976.

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O secretário se comprometeu com a obra, Hoff cobrou a medida e criou-se um projeto-piloto para trazer os alunos de ônibus do interior para a sede. Nascia ali o transporte escolar, nos moldes que todos os municípios conhecem hoje. “Depois o prefeito de Pelotas fez algo parecido e esse modelo foi copiado por todo o lugar”, recordou.

A bênção da Mãe Peregrina
Em 1970 Hoff casou-se com dona Elpídia Nelsi Hoff. Da união com Pidinha nasceram Guido Júnior, Angelo e Cássio. O casamento foi o primeiro a ter serviço de bufê cozinhado fora, no Pavilhão da Igreja Católica, muito fino para a época. “Deus me abençoou, e eu vivi 41 anos com ela”, recorda Hoff, antes de um breve silêncio. Há nove anos, Pidinha foi vítima de um acidente vascular.

Domingo de família: o casal Guido e Pidinha e os três guris

Devoto de Nossa Senhora de Schoenstatt, Guido sempre participou com a família das romarias em Santa Cruz do Sul. Foi lá que o prefeito conheceu a atual esposa, dona Laci Severo. “Lá pelas tantas, a Mãe Peregrina (Nossa Senhora de Schoenstatt) disse: por que tu aqui e a Laci lá? Aí começamos a nossa história, há sete anos.” Orgulhoso, ele observa que Laci não é a mãe dos três guris, mas atualmente cumpre o papel de maneira muito bonita.

O primogênito, Guido Júnior, é o primeiro a falar do pai. Segundo ele, no tempo de infância o fim de semana era a galinhada do pai, feita ao longo do sábado e domingo, e servida na finaleira, no jantar de domingo. “Ele é um pai muito presente, mas dividia a família com a comunidade. Então, o fim do domingo era na companhia dele e da galinhada”, conta. Hoff tinha um jeito todo especial de fazer o prato. No sábado à tarde, colocava para descongelar o frango. No domingo de manhã – entre uma quermesse e outra – fritava a galinha. À tarde, antes de descansar um pouco, na volta dos compromissos, adicionava outros ingredientes. “À noite ele terminava e juntos jantávamos.”

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Angelo Hoff, o filho do meio, descreve o pai como a pessoa mais cheia de energia e motivação que ele já conheceu. “Meu veterano sempre cuidou da gente, dando-nos condições para que pudéssemos voar sozinhos. É a pessoa mais generosa e intensa que eu conheço.” Ele conta que o pai sempre está disponível para os filhos, assim como para a comunidade. “Somos três abençoados por termos o pai que temos.”

Cássio, o caçula, define o pai como um gigante feito de margarina. “Ele tenta passar uma imagem de durão, de forte, mas isso não dura muito tempo. Logo ele se entrega”, revelou. Do tempo de criança, o filho mais novo lembra das cobranças com resultados. E assim ele moldou o caráter do trio. “Não tem dois certos com ele. Ou é certo ou não é, e ele quer sempre o certo. Ele é um modelo de lisura para nós e para todos que o acompanham”, definiu.

Dona Laci, a atual esposa, afirma que a união com Guido multiplicou as famílias. Ela é mãe de duas filhas e, assim, há sete anos o casal tem cinco filhos e só motivos para celebrar. “Ele é o ser humano mais do bem que eu já conheci, dono de um coração enorme, capaz de tirar de si para dar ao outro.”

Com dona Laci, a atual esposa

Os planos para o futuro
Nos 58 anos de vida pública, entre um mandato e outro, Hoff trabalhou na Verafumos, extinta companhia de tabaco. Foi lá que ele se aposentou e assim continuará, quiçá ainda por muitos anos. Pelo menos é esse o desejo do prefeito de Vera Cruz.

Ao sair da Prefeitura em 31 de dezembro próximo, Guido pretende aproveitar a saúde e curtir os quatro netos e a esposa Laci. Inicialmente ele quer férias, talvez na casa de praia da família; depois, continuar servindo ao próximo.

“Eu pretendo voltar a trabalhar para a Igreja, como ministro. Eu fiz muitos enterros já, consolando quem fica”, confirmou. O segredo, segundo o prefeito, na hora do último adeus, é mexer com a emoção. “Quando eles começam a chorar eu aperto, digo que esta vida é passageira, eu tenho todas as passagens certas da Bíblia.”

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Colorado – não mais praticante, por conta do que ele chama de “mercantilização do futebol” –, o também gincaneiro (que, no período em que não estava à frente da administração, torcia pela equipe Kaimana) quer mimar ainda mais os netos e filhos. “Os guris nunca queriam que eu concorresse, em todas as vezes. Não queriam, mas eram os primeiros a irem à luta para defender o pai. Eu sou muito feliz, tenho uma família extraordinária, netos que são o meu xodó.”

A notícia que ele precisava dar
Em 2016, no último comício da campanha, Guido Hoff já havia antecipado a decisão confirmada só agora. Naquele dia, para uma multidão de eleitores, na famosa Esquina Goelzer, ele havia afirmado que o atual mandato seria o seu último. “Eu me lembro de dizer que esta seria a minha última caminhada. Eu não estou cansado, mas é preciso renovar”, comenta.

Pelo menos três dias antes de receber a reportagem da Gazeta do Sul para esta matéria, Guido Hoff não dormiu. A insônia é companheira do gestor público. Segundo Hoff, surge sorrateira, sempre às vésperas de decisões e medidas importantes que precisam ser tomadas.

Por um momento, a conversa fica muito séria. O semblante do sorridente prefeito muda e a expressão dá indícios de que, pela primeira vez em quase uma hora de conversa, sairá uma declaração bombástica. Aquela que todo jornalista espera quando se posiciona à frente de um político importante. Aí ele dispara: “Se eu digo isto há um ano atrás, por exemplo, o meu cafezinho hoje era frio. Então, tem hora certa para anunciar, e ela chegou, e a preferência foi para você.”

Voltando à seriedade do momento, Hoff admite que o tempo é de renovação. Espera entregar seu cargo para quem, assim como ele, quando recebeu o cargo de Nestor Frederico Henn em 1972, tenha o compromisso com a mudança e a capacidade de inovar. “Agora, aquele ciclo rompido lá atrás será rompido novamente. Espero que seja com alguém que comungue com as minhas ideias”, diz o prefeito.

Prestes a sair da vida pública, Guido Hoff deixa muitas memórias

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