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O filho mais ilustre da histórica Rio Pardo

Ele tinha Porto Alegre no nome. Mas foi Rio Pardo que ele projetou para o mundo. Talvez nem os rio-pardenses tenham clara noção da importância que ele detinha, mas é muito provável que não tenha havido nenhum outro filho da terra tão ilustre. Nasceu Manuel José de Araújo, em 29 de novembro de 1806, antes mesmo da transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro e da fixação da Corte no Brasil. Era filho do casal Francisco José de Araújo e Francisca Antônia Viana, e mais tarde decidiu, por conta própria, acrescentar o Porto-Alegre, firmando o nome com o qual passaria à posteridade: Manuel José de Araújo Porto-Alegre, também agraciado com o título nobiliárquico de Barão de Santo Ângelo, em gesto do imperador brasileiro Dom Pedro II.

Nesta segunda-feira completam-se 140 anos desde a sua morte, em Lisboa, em 30 de dezembro de 1879, depois de uma eclética trajetória de artista, intelectual e homem público. Foi pelas ruas de Rio Pardo que descortinou os seus primeiros horizontes. Sua família era de poucas posses; consta que foi educado pelo padrasto, e se mudou bastante jovem para Porto Alegre. Por volta dos 16 anos começou a trabalhar como ourives. Na oficina teria conhecido o seu primeiro professor de desenho, o mestre francês François Thér, e seu patrão, atento aos dotes artísticos do rapaz, o incentivou a investir no aperfeiçoamento em pintura.

Com pouco mais de 20 anos, no início de 1827, mudou-se para o Rio de Janeiro, a capital do Império do Brasil recém-independente, para estudar na Escola Militar, mas acabou por se matricular na Academia Imperial de Belas Artes, talvez estimulado por seu gosto artístico, voltado a desenho e pintura. Ali, de pronto, com essa idade, foi aluno de Jean Baptiste Debret, que chegara ao Brasil em 1816 e era professor de pintura histórica na instituição desde 1826, ficando vinculado a ela até 1831.

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Nesse mesmo ano, Debret, que estava com mais de 60 anos, retornou a sua cidade natal, Paris, e Porto-Alegre, que tinha 24 anos, obteve auxílio para poder acompanhá-lo. Ficou hospedado em quarto na casa do arquiteto François Debret, irmão de seu professor. Em sua primeira viagem pela Europa, além do aperfeiçoamento na Escola de Belas Artes de Paris, ainda viajou pela Itália, pela Inglaterra, pelos Países Baixos e pela Bélgica na companhia do poeta Gonçalves de Magalhães. Este estava com pouco mais de 20 anos e, diplomado em Medicina no Rio de Janeiro, acabara de publicar, em 1832, seu primeiro livro, Poesias, obra que antecede por quatro anos o volume Suspiros poéticos e saudades, do próprio Gonçalves de Magalhães, tido como o marco inicial do Romantismo no País.

A intenção de Magalhães em seu périplo pela Europa era aperfeiçoar-se em medicina, e essa convivência no estrangeiro naturalmente reforçou os laços de amizade com Porto-Alegre, que também retornou ao Rio entre 1836 e 1837. Com os conhecimentos trazidos na bagagem de suas andanças europeias, tornou-se logo uma referência como professor de desenho e até como crítico e historiador da arte, tendo sido um dos primeiros no Brasil a se dedicar a essa área. Ao mesmo tempo, intensificou a escrita de poesia e foi o primeiro a publicar uma caricatura no País, logo depois de retornar da Europa. Junto com Gonçalves de Magalhães, fundou ainda a revista Niterói, tida justamente como um dos principais marcos iniciais do Romantismo na literatura brasileira.

Primeira caricatura publicada no Brasil, em 1836, por Porto-Alegre, na qual ambienta as disputas políticas da Corte naquele período do Brasil Império

Enquanto exercitava seus dons como pintor e desenhista, também transferia-se para a Escola Militar, como professor de desenho, e em 1840 passou a atuar como pintor da Câmara Imperial, respondendo pela decoração para a coroação do imperador Dom Pedro II e para o casamento deste com dona Teresa Cristina. Ainda por esse tempo expandiu seu olhar e sua atuação para a cidade do Rio de Janeiro como um todo, desenvolvendo projetos arquitetônicos, como obras do Paço Imperial, a antiga sede do Banco do Brasil, a Escola de Medicina e o prédio da Alfândega. O nome de Manuel de Araújo Porto-Alegre impunha-se cada vez mais no ambiente social e cultural da capital do Império. Tanto que ele tornou-se vereador em 1852, assumindo como suplente na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, até 1854.

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Por conta de suas relações de amizade e de intimidade com a Corte, ingressou na carreira diplomática em 1857, no início na Prússia, em Berlim, e mais tarde em Dresden e Lisboa. Em Portugal chegou em 1866, recepcionando inclusive o imperador Dom Pedro II, como cônsul-geral. Nessa temporada diplomática, seguiu se correspondendo com expoentes da literatura brasileira, como Joaquim Manuel de Macedo, o autor de A Moreninha, considerado o romance inaugural do Romantismo brasileiro. E igualmente tornou-se adepto do espiritismo.

Em razão de seu trabalho em todas as áreas e ainda de seu desempenho na carreira diplomática, Porto-Alegre recebeu de Dom Pedro II, em 1874, o título de Barão de Santo Ângelo, com direito a brasão de armas. Encerrou assim uma vida intensa, servindo à Corte brasileira em Portugal, ali falecendo em 30 de dezembro de 1879, aos 73 anos. Seus restos mortais acabaram sendo transferidos ao Brasil em 1922, e aqui, entre outras homenagens, tem seu nome referido em inúmeros logradouros públicos, bem como é patrono da cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras.

Manuel de Araújo Porto-Alegre entre Gonçalves Dias (à esquerda) e Gonçalves de Magalhães, por volta de 1858

Obras que permanecem

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Como poeta, escritor, jornalista e editor, Manuel de Araújo Porto-Alegre utilizou-se de suas relações privilegiadas com expoentes da literatura no Romantismo, bem como de seu amplo trânsito social e junto à Corte, para deixar uma obra importante. Ele foi testemunha e interlocutor de grandes nomes da intelectualidade do Brasil Imperial e, em simultâneo, da emergente literatura brasileira. Ajudou a fundar e a dirigir periódicos, contribuiu com caricaturas e dedicou-se a história e crítica da arte brasileira, com artigos diversos.

E  passou também a publicar livros, entre poesia e teatro. Os de poesia, como Brasilianas, de 1863, publicada sob o pseudônimo de Tibúrcio do Amarante; e Colombo, poema épico com mais de 20 mil versos, de 1866, estão entre os mais conhecidos. Embora não tenham sido incluídos como referências de leitura ao longo do século XX no cânone, em sua época estiveram entre as obras que ajudaram a conformar a literatura brasileira. Publicou também os volumes de teatro Estátua Amazônica, uma comédia arqueológica, de 1861, e A escrava, de 1863. Recentemente, no início de dezembro, exemplares de obras de Porto-Alegre foram doados ao Arquivo Histórico de Rio Pardo, permitindo que as novas gerações de rio-pardenses possam consultar os textos do filho ilustre.

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