O feriado de Tiradentes é um dos mais tradicionais no calendário brasileiro. Atualmente considerado um herói nacional, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi integrante de um movimento separatista de Minas Gerais que almejava a independência de parte do Brasil. Dentista, pagou com a própria vida por ter desafiado o império português – foi morto e esquartejado em 21 de abril de 1792, aos 45 anos. Desde dezembro de 1965, a data é feriado nacional.
A Gazeta do Sul foi às ruas para saber se a população sabe o que se comemora nesta terça-feira, 21. De dez entrevistados, o aposentado Noredino Israel da Silva, 68 anos, morador do Bairro Bom Jesus, foi quem chegou mais perto. Seu Noredino lembra que o movimento conhecido como Inconfidência Mineira ocorreu no passado e que, segundo os livros de história, Tiradentes era dentista. “Com o tempo a gente vai esquecendo os fatos históricos, mas este é um feriado de muito significado.”
É um tema oportuno, segundo ele, para ser tratado no atual momento. O aposentado, que viveu no tempo da ditadura militar, olha com preocupação para os novos movimentos de apoio à volta do regime. “A população esquece muito fácil o que se passou na história. É preciso fazer um esforço para lembrar, para saber o que aconteceu”, recomendou Noredino.
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Nas filas de lojas que reabriram nessa segunda-feira, 20, os santa-cruzenses divergiram nas respostas sobre o feriado (veja no quadro abaixo). Para a dona de casa Susana Stein, 43 anos, moradora do Bairro Santuário, o dia 21 de abril é, tradicionalmente, também um dia de azar. “Eu sei que Tiradentes foi morto porque discordava dos poderosos e não gosto deste dia. Desde pequena, ouço que é um dia de azar. Por isso, na minha casa, é como no feriado de Finados ou uma sexta-feira 13”, comentou Susana.
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As respostas dos santa-cruzenses
A Gazeta do Sul foi às ruas peguntar o que as pessoas sabem sobre Tiradentes. Confira.
“Ele era um manifestante político, participou de atos na Inconfidência Mineira, mas eu não sei o que isso significa ao certo.”
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“Ele foi um revolucionário. Na época, tentou provar que a Terra era redonda, enquanto muitos acreditavam que o planeta era plano. Ele foi torturado por isso, inclusive.”
“A morte de Tiradentes tem a ver com algum fato na história do Brasil, por isso hoje é feriado em homenagem a ele.”
“É um feriado nacional, o dia de Tiradentes. Mas o motivo de ser feriado eu não me lembro. Ele deve ter sido importante para o País.”
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“Na época da escola, aprendemos quem foi Tiradentes. Mas hoje em dia só sabemos que é feriado e que é um dia de lutas.“
“Eu só sei que é um feriado nacional. A gente não guarda o significado das datas além de Páscoa e Natal, que também são comemorações e feriados.“
Com a República, condenado virou herói
Dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista político, Tiradentes foi o único condenado à morte na Inconfidência Mineira, movimento de insatisfação da elite mineradora com os altos impostos cobrados pelo império português, que buscava a independência de parte do Brasil. Ele não era o líder, mas pesquisadores apontam que era a conexão dos conspiradores com as pessoas das camadas mais pobres. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling afirmam que “Tiradentes foi o mais ativo propagandista das ideias que sustentaram o projeto político da Conjuração Mineira e o grande responsável por colocá-las em circulação no interior de uma rede formada pelo entrecruzamento de diferentes grupos sociais”.
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No começo de 1789, os inconfidentes foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis, um dos participantes da conspiração. Silvério possuía dívidas enormes com Portugal e encontrou na traição uma forma de livrar-se de seus débitos com a Coroa. Os outros envolvidos que foram condenados à morte receberam o perdão de D. Maria, rainha de Portugal, e suas penas foram reduzidas para degredo. Os historiadores levantam diversas hipóteses para explicar por que apenas Tiradentes foi executado. A razão mais citada é que ele não pertencia à elite da sociedade e, por isso, não tinha influência dentro da Coroa portuguesa para reverter sua pena.
Tiradentes foi enforcado e, em seguida, decapitado – sua cabeça foi colocada em um poste de Ouro Preto. Seu corpo foi esquartejado em quatro partes, também expostas em locais públicos. Por fim, a casa dele foi destruída e o solo foi salgado. O objetivo de tamanha crueldade e rigidez na execução da pena era amedrontar a população e coibir novas conspirações.
Desde o advento da República, em 1889, Joaquim José Xavier é considerado herói nacional: o mártir foi criado pelos republicanos com a intenção de ressignificar a identidade brasileira. A antiga Vila de São José do Rio das Mortes foi rebatizada em sua homenagem e hoje é o município mineiro de Tiradentes. Seu nome está inscrito no Livro dos Heróis da Pátria desde 1992.
Após se estabelecer, o regime republicano via a necessidade de heróis para aproximar o povo do movimento. Durante o processo de transformação de Tiradentes em herói e mártir, um elemento essencial foi tornar sua imagem semelhante à de Jesus Cristo. A estratégia se aproveitava da religiosidade popular para promover a aceitação do inconfidente. Assim, ele passou a ser registrado com cabelos e barbas longas, de maneira bem parecida com as representações de Jesus. Nesses quadros, passaram a apresentá-lo sempre olhando para cima, assim como Cristo em seu martírio.
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Foco na “pessoalização”
Doutor em História, o professor Mateus Silva Skolaude, da Unisc, afirma que a República no Brasil sempre foi um “mal-entendido”. Ele argumenta que “a pessoalidade” sempre foi uma parte importante da estrutura do Estado brasileiro – embora os valores republicanos determinem que o bem comum deve prevalecer em relação aos interesses particulares.
“Nesse sentido, nosso sistema republicano caracteriza-se pelo contrário: o Estado é encarado como a extensão da família e dos laços pessoais. Nossos governantes não se envergonham de indicar os irmãos, os filhos e os amigos para cargos públicos. Nesse caso, o caráter simbólico do mito de Tiradentes permanece vivo no imaginário popular e na forma como percebemos nossos representantes públicos”, argumenta o professor Skolaude. “No Brasil, temos a necessidade de pessoalizar as instituições, como recentemente fizemos com o Poder Judiciário. Ao invés de juízes, enxergarmos justiceiros”, complementa.
Para o pesquisador, o caso de Tiradentes também remete à perspetiva do “mito”, que permanece muito viva nas militâncias políticas e na pessoalização de nossos governantes, tanto no caso dos líderes populistas de direita quanto de esquerda.
Colaborou o jornalista João Caramez
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