Quando faltava um mês para o aniversário do execrável AI-5, o juiz do Supremo, Alexandre de Moraes, proibiu um deputado, Daniel Silveira, de dar entrevistas. O ministro já havia proibido o deputado de frequentar as redes sociais e de fazer contato com “outros investigados”. No último dia 13, fez 53 anos que, por causa de um deputado, Márcio Moreira Alves, o general Costa e Silva assinou o AI-5, que cassava o mandato do parlamentar e de muitos outros, fechava o Congresso, cancelava o habeas corpus e censurava. Motivo imediato: na tribuna, Márcio recomendara às mocinhas que não dançassem com cadetes, e o ministro da Guerra, Lyra Tavares, queria processar o deputado, mas a Câmara não deixou, com base no art. 32 da Constituição de 1967: “Os deputados e senadores são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação e calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional”.
Os constituintes de 1988 aperfeiçoaram o artigo, que se tornou inflexivelmente garantidor do mandato, e ganhou o nº 53: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Esse quaisquer não deixa espaço para condicionantes. Mas… agindo como constituintes, no Supremo passaram por cima disso. O ministro Moraes mandou prender o deputado que – ironia! – disse ter saudades do AI-5. E 2021 viu a assombração de um AI-5 de fato, com a anuência da Câmara dos Deputados – menos defensora de suas prerrogativas que aquela de 1968. No dia seguinte ao 13 de dezembro de 1968, Juscelino fora preso preventivamente, para não incomodar, tal como Zé Trovão agora está preso, assim como o presidente do PTB, Roberto Jefferson. O jornalista Wellington Macedo, depois de 41 dias no presídio, está há 70 dias em prisão domiciliar, sem condenação, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, extinta. Todos por crime de opinião; crime de boca, não de mão. Muito semelhante com aqueles anos de chumbo – agora com um fantasma de AI-5.
Em 1968 como hoje, pessoas eram presas sem condenação, por crime de opinião. Hoje com uma diferença para pior: naquele tempo havia, embora espúrias, regras escritas. Hoje a regra é o que brota de revisões ad hoc da Constituição, até mesmo ferindo o pétreo artigo 5º, que não comporta emendas. Esse espírito baixou também na Justiça Eleitoral. A resolução com regras para a eleição de 2022 mais parece um código penal que revoga a liberdade de expressão que os constituintes consagraram no artigo 220. Injúria, calúnia e difamação são crimes previstos no Código Penal, mas os autores são responsabilizados no devido processo legal. As bocas e cérebros brasileiros estão isentos, pela Constituição e pelo Direito Natural, de serem submetidos a tutores que decidem a verdade e a mentira, estabelecendo a versão oficial.
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Numa democracia é normal que haja interpretações diferentes de liberdade, autoridade, verdade. Faz parte dos entrechoques ideológicos e doutrinários. O que não é normal é que haja silêncio em relação a agressões sofridas pela lei das leis. Quem cala, consente. O AI-5 de 1968 perdurou até 1979. Até quando vai perdurar o fantasma de hoje? Os que calam e consentem ajudam a assombrar a democracia na supressão da dissonante e criativa voz da liberdade.
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