Colunistas

O espírito da colmeia

Leonard Zelig é um desajustado. Ou melhor, era. Cansado de se sentir um peixe fora d’água em qualquer rio, ele desenvolve uma habilidade incomum para se proteger da solidão: absorve totalmente a personalidade, a identidade e até a aparência das pessoas com quem se relaciona.

Por exemplo: se estiver ao lado de intelectuais, Zelig se transforma em um homem de enorme cultura e pode falar quantos idiomas a situação exigir. Mas o que mais impressiona é a mudança física: quando Zelig – branco, magro e baixo – conversa com orientais, seu rosto ganha feições asiáticas; se o interlocutor for negro, em segundos a pele dele escurece e o cabelo encrespa; se for obeso, a barriga logo começa a inchar, e assim por diante.

O mimetismo assombroso do “camaleão humano” chama a atenção do público – que o transforma em celebridade – e dos cientistas. Sucedem-se tentativas de descobrir uma causa fisiológica para o distúrbio, todas elas frustradas. O caso vai parar nas mãos de psiquiatras, mas os encontros com o paciente nunca resultam em nada. Ao sentar-se diante dos analistas, Zelig passa a imitá-los e a dissertar sobre as teorias de Freud, Jung e outros. Ninguém é capaz de fazer um diagnóstico.

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Leonard Zelig, naturalmente, jamais existiu. Ele é só o protagonista do filme homônimo de Woody Allen lançado em 1983, um “falso documentário” em tom de comédia sobre a vida desse insólito personagem. Mas certamente existe algo como um “espírito de Zelig”, uma tendência que Allen reconheceu na época: uma disposição para a massificação, para buscar um lugar no mundo através da identificação total com um grupo, seja qual for. Propensão mais exacerbada em alguns, menos em outros. E isso que nem havia internet e redes sociais em 1983.

Mas não deixa de ser uma estratégia arriscada. A fantástica aptidão que Zelig desenvolveu para ser aceito e amado lhe custou muito caro: ele não tem personalidade, não tem um “eu”. Acostumou-se a ser apenas o reflexo de quem está ao lado (mesmo se for um nazista). Quando se vê sozinho, sem ninguém para imitar, fica em estado de semiparalisia, por vezes quase como um vegetal. Ou, talvez, como uma abelha que se descobre abandonada em uma colmeia vazia. O que ela faria?

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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