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Direto da redação

O episódio Santander

A cena de manifestantes trocando agressões em frente ao Santander Cultural, em Porto Alegre, na semana passada, é um retrato destes tempos tão confusos que vivemos. Como a essa altura todos já sabem, a confusão na Praça da Alfândega se criou após o Santander antecipar o término de uma exposição cujo tema era gênero e diversidade, em função de uma enxurrada de manifestações na internet que acusavam as obras de desrespeito religioso e apologia à pedofilia e zoofilia.

O episódio é mais significativo do que pode parecer, pois diz respeito à forma como convivemos com a diferença de opiniões, o que, a meu ver, é a base de uma sociedade que se pretende democrática e livre. Mais do que isso, ilustra algumas formas de pensamento que parecem ganhar força junto à população e devem se manifestar nas próximas eleições presidenciais.

Creio que algumas perguntas são necessárias. Primeiro: uma obra de arte que trata de um tema, ou retrata determinada situação ou ideia, significa necessariamente uma apologia? É evidente que qualquer manifestação de apologia a algo desprezível como a pedofilia é criminosa e deve ser reprimida. Mas até que ponto isso ser objeto de uma obra representa uma posição de defesa ou estímulo?

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Pensemos: se abordar um assunto significa defendê-lo, não podemos mais ter obras que tratem de problemas sociais ou de questões de ordem moral. Um filme de guerra faz apologia à guerra? Um livro que narra atos criminosos faz apologia ao crime? E se ao invés de defender, o propósito de uma obra que traz à tona um tema incômodo ou sensível seja promover a reflexão, discuti-lo, jogar luz? Não seria esse um dos papéis primordiais da arte: botar o dedo na ferida, provocar, incomodar?

São perguntas que me fiz recentemente, quando da celeuma em torno de uma série da Netflix que tratava sobre uma adolescente que se matou. Muitos disseram que a história era um estímulo ao suicídio. Mas se é uma realidade que há jovens tirando a própria vida, e se isso nos preocupa como deve preocupar, não se torna imperioso trazer o assunto ao debate público? Será que deixar de falar sobre um problema vai resolvê-lo?

Tem outra questão fundamental nisso tudo: não é possível haver diferentes visões sobre o sentido de uma obra, com base na interpretação de cada um? E sendo assim, é razoável nos basearmos em uma possível interpretação para acusarmos a obra de qualquer coisa? De novo, não seria mais interessante discutir antes de julgar?

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E a pergunta que talvez seja a principal: o fato de não gostarmos de uma obra de arte, de acharmos desagradável, inconveniente ou de baixa qualidade, é motivo para pedirmos que seja retirada de circulação? Temos o direito de não gostar de uma exposição,  mas nesse caso não seria mais natural simplesmente deixarmos de visitá-la ou recomendá-la, respeitando o direito de quem gosta e quer ver? 

Pensemos.

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