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O endireitador de nariz

Fiquei devendo, aqui na coluna, um abraço à dona Luza Schütz Gewehr. Aos 95 anos, é uma pessoa de senso de humor refinado e de uma lucidez invejável, que muito ajudou a mim e ao Romar Beling em nossas pesquisas sobre a vida de Margot Gude Hahmann, a avó santa-cruzense de Suzane von Richthofen – assunto que abordamos em reportagem de quatro páginas publicada há três finais de semana aqui na Gazeta.

Para quem, por um motivo ou outro, não leu a matéria, convém uma contextualização. Dona Luza conviveu na infância com Margot Gude e com a irmã dela, Edeltraud, filhas do casal Ernst e Margot Matheis. Ela recorda das brincadeiras das três meninas no porão da casa dos Matheis (na esquina da Marechal Deodoro com a Sete de Setembro), ambiente que proporcionava às gurias soltar a imaginação, dado que servia como garde-robe de fantasias usadas no teatro.

Ocorre que Ernst, um alemão que imigrara ao Brasil na década de 1920, fora, além de um dos engenheiros que projetaram nossa Catedral, um aficionado por cultura e pelo teatro. Dirigia e ensaiava peças que eram encenadas na Sociedade Ginástica, a duas quadras de sua casa. Ele viria a ser, portanto, o bisavô materno de Suzane von Richthofen.

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No final dos anos 30, os Matheis se transferiram para São Paulo – onde Ernst e a esposa acabariam morrendo em 1953, vítimas de um acidente na Estrada de Santos. Mas a ligação entre Luza e Edeltraud persistiu à distância e ao tempo. Por meio da amiga e também da tia materna desta, Frieda, uma alemã radicada em Santa Cruz, Luza foi recebendo, ao passar dos anos e décadas, notícias esporádicas sobre Margot Gude, jovem de espírito aventureiro. Soube que nos anos 1950 ela casou-se na Alemanha, mas logo enviuvou e retornou ao Brasil com o filho recém-nascido. O nome do bebê era Manfred Albert von Richthofen.

Foi pela televisão que dona Luza soube, há 19 anos, da grande tragédia que abateu-se sobre os descendentes de Ernst Matheis: o brutal assassinato de Manfred e da esposa, Marísia, levado a cabo pelos irmãos Cravinhos sob as ordens de Suzane, a própria filha das vítimas.

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Tudo isso dona Luza nos contou ao longo de mais de uma hora de conversa, na varanda da casa dela, na Rua Thomaz Flores. Ao cabo da longa entrevista, quando nos aprontávamos para as despedidas, ela quis saber:

– E como está a Ágatha?

Só então descobri que dona Luza é também fã da minha caçula, via de regra, a grande protagonista desta coluna. E então revelou:

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– Tenho algo aqui que deixaria Ágatha impressionada…

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Dona Luza então nos apresentou um estranho artefato antigo, cuidadosamente guardado em um delicado estojo de madeira, acompanhado do respectivo manual, impresso em alemão – que reproduzo acima. O aparelho consiste em uma espécie de meia cápsula de metal, transpassada por pequenos parafusos, a ser encaixada no nariz com auxílio de correias que dão a volta pela cabeça do usuário. Garantiu-nos que, apesar do aspecto ameaçador, o uso do tal dispositivo era encarado com naturalidade à época da juventude da mãe dela, Elma Schütz – de casa, Brockmann.

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Relatou-nos, então, que Elma, moradora de Porto Alegre, tinha o arriscado costume de descer do segundo pavimento de casa escorregando pelo corrimão da escada. Era um hábito prático e rápido, mas também perigoso. E o resultado foi um nariz quebrado.

Para corrigir o problema, mandou-se vir o aparelho da Alemanha. Conforme as lembranças de dona Luza, a mãe utilizava o equipamento para endireitar o nariz, principalmente às vésperas das festas na sociedade porto-alegrense.

– Imagina só o que Ágatha pensaria disso – comentou, aos risos.

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Eis aí um mistério. O que Ágatha, uma criança acostumada às tecnologias dos dias de hoje, pensaria do tal aparelho desenvolvido por renomados médicos alemães em finais do século 19?

Hoje sou um aficionado por história e por artefatos antigos, mas recordo que, na infância, alguns me davam medo. Lembro das reservas que tinha em me aproximar do velho debulhador de milho que meu avô mantinha, ainda em operação, no galpão da propriedade, em Rio Pardinho.

A vó alertava-me que era uma máquina perigosa. Foi só na adolescência que ganhei salvo-conduto para operar aquele estranho caixote de madeira, recheado com engrenagens, para ver a mágica acontecer: colocava-se o milho na extremidade superior, tocava-se uma manivela e, no lado inferior, descia o milho já separado do sabugo. Que divertido!
Na dúvida, optei por não mostrar à traquinas, ao menos por enquanto, as fotos que tirei do curioso aparelho que pertencera a Elma Schütz. Mais adiante, quem sabe, eu mostro.

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Dona Luza, fica aqui registrado, portanto, meu abraço e sinceros agradecimentos pela prestimosa ajuda e pelo hábito de ler esta coluna.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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Heloísa Corrêa

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