Eis que surgiu, aqui em casa, um novo habitante. Um duende. Ele apareceu para atender a um pedido da Yasmin, que apesar de ter apenas 10 anos, tem desenvolvido um curioso interesse por assuntos místicos e mitológicos. Tanto insistiu, que a presenteamos com a simpática criaturinha, encontrada em uma loja especializada em misticismos. Até então, eu tinha esses duendezinhos como meros bonecos decorativos, apesar de seu aspecto grotesco, que foge aos padrões estéticos convencionais: orelhas pontudas, um nariz desproporcional ao tamanho do rosto e um sorriso irônico de ouvido a ouvido. Tudo isso, sob imensos chapelões pontudos. Mas Yasmin garante que tais duendes não são enfeites estanques, e sim seres encantados, que ganham vida, saltam da estante onde são guardados e circulam pela casa quando nós, seres humanos, estamos dormindo. Uma vez à vontade no ambiente, podem atacar a geladeira, aprontar traquinagens ou fazer alguns favores. Tudo depende de como são tratados durante o dia. Ou seja, é preciso conquistar sua simpatia.
Por isso, a chegada do duende – que Yasmin batizou de Arak – deixou a caçula, Ágatha, em polvorosa. Sua maior preocupação é com o ninho de Páscoa, que ficaria à mercê de assaltos de Arak.
– E se ele comer todos os doces? – preocupou-se. – Já pensaram? Acordar pela manhã e encontrar apenas os embrulhos dos chocolates vazios?
Eis uns risco que existe, aliás, independentemente de haver duendes em casa.
Para se precaverem, as gurias logo trataram de familiarizar Arak com o ambiente e seus habitantes. Yasmin o levou para conhecer o jardim, mostrando-lhe as árvores e flores. Buscou convencê-lo de que o povo aqui de casa tem muito em comum com os duendes, a começar pelo gosto pela natureza. Mas evitou deixá-lo ao alcance do Hércules, o boxer, com receio de Arak perecer, devorado.
– Mantenha-se longe dele – recomendou ao duende, aos cochichos.
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Não é de hoje que relatos sobre as peripécias de duendes e gnomos encantam e assustam os seres humanos. Tais criaturinhas estão presentes em incontáveis lendas do folclore europeu, como herança da rica mitologia dos antigos povos escandinavos e celtas. Os vikings acreditavam na existência de um reino subterrâneo chamado de Svartalheim, habitado por anões que eram exímios ferreiros e artesãos. Certos autores atribuem a esses anões – por alguns chamados de duendes – a fabricação da lança de Odin, a principal divindade nórdica, e do martelo de Thor, o deus do trovão. Ou seja, se Thor é tão famoso ainda hoje – inclusive nos filmes da Marvel –, deve muito à destreza de duendes anônimos, pouco interessados em angariar publicidade.
Já os celtas, que espalhavam-se por grande parte da Europa durante a Antiguidade, adotavam uma série de cuidados para não aborrecer os duendes. Conta-se que, em suas conversas, os celtas jamais falavam mal de duendes e fadas, dado que as criaturinhas poderiam estar por perto, espreitando as fofocas. Acreditava-se que, quando ofendidos, os duendes invadiam a casa do humano linguarudo, à noite, e faziam uma grande lambança. Por isso, convinha tratá-los com respeito:
– Então, caro amigo Fergus, já falaste com o druida da vila, para resolver aquele seu… probleminha?
– Ein? Probleminha?
– É… com aquele camaradinha que anda invadindo sua casa à noite, comendo sua comida, bebendo seu hidromel… – Ah, o duende? Mas não há problema nenhum com ele… – e Fergus então levantava a voz, para fazer-se ouvir por quem estivesse, talvez, escondido por perto: – Pelo contrário! Aquele duende é uma rica pessoa, muito amável, simpático. Não é um invasor, é um convidado lá em casa!!!
Por enquanto, não tenho queixas em relação a Arak. O duende da Yasmin tem se mantido bastante comportado desde que chegou. Aparentemente, simpatizou conosco. Mas, caso Arak esteja lendo esta coluna, preciso deixar claro que, quando falei de orelhas pontudas, nariz desproporcional e sorriso irônico, não quis ofender. Pelo contrário: invejei tais características e, aliás, acho até que vou comprar-me um chapelão pontudo.
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