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O dinheiro que o governo federal não quer receber

Um pequeno ajuste em uma lei antiga poderia fazer com que as fábricas brasileiras de cigarros expandissem as exportações para dezenas de países ao redor do mundo. A regra, de 1977, impede a venda, tanto dentro quando para fora do País, de maços de cigarros com menos de 20 unidades. É consenso entre líderes do setor que o fim desta proibição ampliaria os embarques do produto para fora do Brasil e geraria uma arrecadação milionária. 
Segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), o impacto na balança comercial brasileira poderia alcançar US$ 1,5 bilhão. Porém, o governo federal parece não fazer questão de alterar a norma. O assunto foi destaque, inclusive, na última reportagem da série Made in Vale do Rio Pardo, veiculada pela Gazeta do Sul ao longo da primeira semana deste mês. 

A questão que impede as fábricas brasileiras de competirem em igualdade com outras indústrias do planeta se resume a um detalhe do decreto-lei 1.593, de 1977, que regulamenta a venda de cigarros nos mercados interno e externo – o texto só permite a fabricação e comercialização de cigarros em vintenas, ou seja, 20 unidades. A medida foi adotada na época para facilitar a fiscalização tributária, já que era comum a venda de cigarros avulsos. 

Porém, com o avanço dos instrumentos de controle, a regra se tornou obsoleta, principalmente em relação ao comércio exterior, pois em muitos países a venda acontece tanto em vintenas como em embalagens menores, com 5, 10, 11, 13 ou 16 unidades. Sem a permissão para produzir nestes moldes, esta demanda acaba sendo suprida por fábricas de outros pontos do planeta – muitas vezes usando o tabaco que sai do Vale do Rio Pardo. 

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A Receita Federal já se posicionou favoravelmente à mudança. Com este aval, a resolução do impasse passa a ser totalmente política. A alteração da legislação, neste caso, pode acontecer de duas maneiras: projeto de lei ou medida provisória. No caso do projeto de lei, a demanda parte do Poder Legislativo. É considerada uma alternativa mais lenta, pois passa por comissões e, dependendo da situação, necessita ser aprovada também pelo Senado. Neste caso, é preciso que algum deputado apresente o projeto de lei, solicitando a modificação, e busque apoio em todas as etapas de tramitação. Já a medida provisória é mais pragmática. Parte do Poder Executivo e é votada no Congresso. 

Para entender qual a possibilidade real de uma alteração na lei ainda no primeiro semestre de 2018, a Gazeta do Sul ouviu senadores, deputados federais, entidades e empresas do setor, que têm atuado em diferentes frentes.

O QUE DIZEM OS PARLAMENTARES

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Luis Carlos Heinze (PP)
“Já estou tratando do tema. Acho que o caminho é via medida provisória. Com certeza, iremos achar uma forma de viabilizar a questão. A própria Receita Federal tem interesse. Vou buscar, junto com as empresas do setor, uma audiência no Ministério da Fazenda.”

Heitor Schuch (PSB) 
“A gente tem condição de avançar nisto e o caminho é via medida provisória, até por ser uma questão mais de governo do que de Parlamento. Em caso de projeto de lei, passaria por pelo menos três comissões: Agricultura, Constituição e Justiça e Economia. É um assunto para 2018.”

Sérgio Moraes (PTB)
“Medida provisória é a maneira mais rápida. Em caso de projeto de lei leva pelo menos um ano. Tenho um bom trânsito com o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, e vamos agilizar esta questão. O setor precisa se articular melhor neste sentido. O governo Temer se comprometeu comigo em ajudar o setor.”

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Alceu Moreira  (PMDB)
“Tentei uma alteração por decreto junto à Casa Civil. Não foi possível. Em conversa com o ministro Eliseu Padilha (chefe da Casa Civil) ficou acertado que tentaremos ajustar a questão dentro de alguma medida provisória relacionada ao tema. Se até fevereiro isto não acontecer, eu vou apresentar um projeto de lei e o governo vai solicitar prioridade junto à presidência da Câmara.”

Ana Amélia Lemos (PP)  
“O nosso gabinete já atuou para fazer essa pequena, mas importante modificação na lei. Apresentamos emenda à MP 738 com esse objetivo, mas a proposta não foi incluída na matéria pelo relator. Apesar disso, seguiremos empenhados em relação a esse tema. Essa limitação, além de reduzir a competitividade, impede o aumento da arrecadação, que poderia ser revertida em melhores serviços para os cidadãos.”

Paulo Paim (PT) 
“Acho que o caminho mais fácil é a medida provisória. É até bastante simples, por se tratar de um tema específico, com uma redação simples. É uma medida que não traz prejuízo. Nossas indústrias precisam disputar o mercado internacional em questão de igualdade com as demais. Eu apoio a alteração.”

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*O senador Lasier Martins (PSD) não respondeu aos nossos contatos.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

Souza Cruz
De acordo com o diretor de Operações da Souza Cruz, Luciano Kirst, uma alteração na medida representaria à empresa um aumento potencial de 12% na produção de cigarros em curto prazo, podendo alcançar até 50% em médio prazo. “Existe um mercado potencial de exportação, principalmente para a América do Sul e Central. No entanto, vale ressaltar que a metade desta demanda é composta por carteiras diferentes de 20 unidades.

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Portanto, este se torna de fato o principal obstáculo para a expansão das exportações de produto acabado atualmente”, explica. Kirst ainda ressalta que a British American Tobacco (BAT), controladora da Souza Cruz, exporta de 45 fábricas espalhadas pelo mundo para mais de 180 países, o que gera um movimento logístico internacional de grande porte. E é neste ponto que a fatia de participação da unidade brasileira pode aumentar.

“Atualmente a Souza Cruz exporta para Argentina, Colômbia, Cuba e Canadá. Estamos aptos a exportar para qualquer país onde o grupo opera, assim como potencializar os volumes dos países já existentes. Logicamente que existem barreiras alfandegárias para certos mercados comuns que podem impedir que os nossos produtos cheguem competitivos. Mas todos os 180 países em que o grupo BAT atua são potenciais destinos em longo prazo”, garante.

Philip Morris 
A Philip Morris Brasil também projeta um aumento considerável na produção de cigarros a partir da mudança, principalmente por já existirem os canais de exportação de tabaco processado para mercados de cigarros com menos de 20 unidades. O diretor de Operações, Alejandro Okroglic, explica que a Philip Morris Internacional organiza sua distribuição mundial em mais de 30 fábricas espalhadas pelo mundo. A alteração na lei possibilitaria um reordenamento logístico.

“Como em muitos mercados as embalagens com menos unidades têm uma grande aceitação, o envio de cargas exclusivamente com carteiras de 20 unidades se torna deficitário. Hoje, mais de 60 países comercializam carteiras com quantidades diferentes de 20. Deixamos de enviar cigarros daqui de Santa Cruz do Sul para vários deles pela limitação da embalagem. O nosso potencial de incremento é grande”, diz. Okroglic ainda destaca que a unidade fabril instalada no município, que inclusive exporta embalagens para outras fábricas do grupo, está apta a iniciar a produção de forma imediata em caso de alteração na lei para exportações. “Em vez de enviar o produto pronto para outros mercados, nos limitamos às embalagens e ao tabaco. Esta parte de agregação de valor acaba sendo feita em outros países. Perdem a empresa, Santa Cruz do Sul, o Rio Grande do Sul e o Brasil.”

Japan Tobacco International (JTI)
Segundo o diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação, Flávio Goulart, a alteração é uma necessidade para o Brasil aumentar sua pauta de exportações. “Estamos falando especificamente de exportação. Não podemos perder esta oportunidade de alcançar mercados da América Latina e parte da União Europeia”, ressalta. De acordo com o executivo, a fábrica cigarros da empresa, com previsão de inauguração para março de 2018, foi projetada para atender especificamente o mercado brasileiro, mas diante de novas oportunidades, possivelmente a empresa irá mirar o mercado externo. “Se temos uma fábrica e novas possibilidades surgirem, com certeza aproveitaremos.”

O QUE DIZ A ABIFUMO

Carlos Galant, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo 
“Da maneira como está hoje, torna-se uma barreira técnica ao próprio País, diminuindo a concorrência dos produtos brasileiros em nível internacional e não permitindo que nossa indústria possa comercializar dentro de hábitos de consumo de outros países – além do próprio Mercosul, mercados da União Europeia, Chile, Colômbia, Bolívia, Austrália e Coreia do Sul. Estima-se um saldo positivo de US$ 1,5 bilhão para nossa balança comercial. Assim, conforme a Secretaria de Comércio Exterior e a Receita Federal, que já se manifestaram informando não haver nenhum empecilho para que este pleito setorial seja aprovado, se espera do governo federal uma solução célere e adequada para a eliminação dessa barreira não tarifária.”

O QUE DIZ A PREFEITURA

Em Santa Cruz, expectativa é ampliar a arrecadação

Segundo a Prefeitura de Santa Cruz do Sul, a exportação de cigarros em maior volume pode colocar a arrecadação da cidade em outro patamar. Num primeiro momento, a administração evita projeções, mas o impacto é considerado grande em razão do Valor Adicionado Fiscal (VA) relacionado ao produto. O VA é um índice que mede a riqueza que o município criou sobre determinado item. Por exemplo: ao adquirir uma matéria-prima e depois vendê-la beneficiada por um preço maior, uma empresa está gerando riqueza. Esta diferença entre o preço de compra do fornecedor e o de venda ao cliente é a base de cálculo para o VA. E parte deste ganho gerado pela empresa retorna ao município onde ela está instalada. A lógica é igual para outras indústrias, lojas, distribuidoras e assim por diante. 

O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Cultura e Turismo, Flávio Bender, é um entusiasta quanto à medida que prevê a facilitação para a exportação de cigarros. “Temos indústrias em várias áreas reconhecidas internacionalmente. Mesmo assim, o tabaco continua a ser o nosso principal motor. Em termos de VA, a fábrica da Philip Morris, a única que produz cigarros na cidade, representou 42,22% do total do município em 2016. Em caso de ampliação das exportações, o número poderia aumentar muito, inclusive atraindo fornecedores da cadeia, que teriam mais escala de comercialização”, resume ele, ressaltando que, com a forte participação do setor do tabaco, o município tem o sétimo maior PIB do Estado e deve ser o sétimo com maior retorno de ICMS em 2018.

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