Nossa caçula, Ágatha, que a pedido dos leitores foi alçada ao posto de grande protagonista desta coluna, afirmou, dias atrás, que não queria mais ser tratada como criança. – Afinal de contas, já sou pré-adolescente – argumentou.
A assertiva da traquinas, claro, fere os preceitos da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece como início desta fase da vida a idade de 10 anos. Logo, Ágatha ainda teria que conviver por mais dois anos com o rótulo de criança, para só então alcançar, oficialmente, o almejado posto de pré-adolescente.
Até pensei em usar os dados da OMS para contrapor a afirmação da caçula, mas, por fim, achei prudente não entrar na polêmica. Afinal, concluí, seria rude impor os rigores da ciência a… uma criança. Mas registrei mentalmente o que me disse a marota, imaginando que isso seria útil em algum debate futuro com ela.
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É curioso esse impulso das crianças em querer acelerar o tempo, essa gana em esperar com ansiedade as fases adultas. Lembro que, quando criança, não via a hora de completar 18 anos para, enfim, ser autorizado a assumir os comandos da Variant 1975 do pai. Quando viajávamos, ficava eu no assento de trás ou aninhado entre cobertores no bagageiro da perua – o que, na época, ainda não era proibido – observando com inveja a destreza com que o pai girava o imenso volante, passava as marchas e acelerava, fazendo zunir o motor de dois carburadores. Vez que outra, confidenciava-lhe essa ansiedade e o pai pedia-me paciência. E garantia, deixando-me pasmo, que eu estava na fase mais alegre da vida. Hoje entendo o que ele queria dizer – principalmente quando paro o carro no posto de combustíveis.
O ser humano, enfim, é um eterno insatisfeito. E as crianças, ao que parece, não percebem que seu mundo mágico, cheio de brincadeiras e fantasias, é mais divertido que o universo dos adultos, repleto de responsabilidades, desafios, preocupações e boletos. Calma, não estou me queixando de ser adulto. Concordo que assumir responsabilidades, enfrentar desafios e buscar progredir são, além de necessidades, ingredientes que tornam a vida adulta menos enfadonha. Mas ainda me parece que brincar de desbravador da selva, de astronauta ou de piloto de Fórmula 1 – ainda que atrás do volante da Variant do pai – tinha mais graça.
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Conforme já escrevi em outras colunas, Ágatha tem por hábito criar calendários para monitorar a aproximação de datas especiais, tais como o Natal, a Páscoa e os aniversários. Até pouco tempo atrás, desenhava-os à mão e os enchia de adereços alusivos a cada dia em questão. Contudo, agora que se considera uma pré-adolescente hi-tech, deixou para trás esse lance de desenhar à mão – que é “coisa de criança” – em troca do calendário digital do celular (dispositivo que arrecadou por conta dos joguinhos, estando-lhe vedados o emprego da linha telefônica e, principalmente, do Whats).
Alertada pelos inúmeros alarmes que programou junto ao calendário, veio perguntar-nos, no meio desta semana, o que planejávamos para o Dia das Crianças, na segunda-feira. Foi então que coloquei em prática um plano maquiavélico, que vinha tramando há mais tempo. Simulando displicência, limitei-me a dizer que não planejávamos nada.
– Afinal, já não temos crianças aqui em casa. Só pré-adolescentes. A caçula, no entanto, não deu-se por vencida e alegou que, para um jornalista, eu andava, lamentavelmente, mal-informado em relação à data.
– Não sabe que o nome do dia foi, recentemente, reformulado? – questionou. E garantiu-me:
– Agora chama-se Dia das Crianças e dos Pré-Adolescentes.
E deixou-me sem argumentos. Ora, essas crianças… São elas, aliás, que tornam nossa séria e compromissada vida adulta, de pais, bem mais divertida.
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