O ato era uma entrega simbólica de 340 novas ambulâncias do Samu a municípios. Mas o seu real significado ia muito além. A primeira passagem de Michel Temer (PMDB) pelo Rio Grande do Sul como presidente da República foi uma tentativa de reverter a maré de impopularidade e más notícias que avança sobre o governo federal.

Temer chegou a Esteio por volta das 11 horas, sob forte esquema de segurança, e foi recepcionado por uma comitiva de peso: o governador José Ivo Sartori, o vice-governador José Paulo Cairoli, quatro ministros (da Saúde, Trabalho, Casa Civil e Desenvolvimento Agrário), deputados federais e estaduais e vários secretários, além dos prefeitos das 61 cidades contempladas com as ambulâncias, todos sob o abafamento de um dos pavilhões do Parque Assis Brasil.

A estatura do evento talvez nem justificasse tanta solenidade – já que se tratava apenas da reposição de veículos e não de incremento na frota. Mas, ao que tudo indica, o objetivo era exatamente esse: exaltar uma pauta positiva e transmitir uma mensagem de otimismo.

Isso ficou claro pelo tom dos pronunciamentos, que mais pareciam um “contra-ataque” do governo às críticas que recebe – das ambulâncias em si, pouco se falou. Primeiro a discursar, o secretário de Saúde gaúcho, João Gabbardo, elogiou a PEC do Teto dos Gastos Públicos e afirmou que, ao contrário do que é dito, os recursos repassados à Saúde não foram comprometidos pelo ajuste fiscal. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, veio na sequência para complementar: fez um relatório dos investimentos da pasta nos últimos meses.

Quando chegou a vez do governador, só se ouviu louvores ao Planalto. Sartori cumprimentou Temer pelo diálogo com os governos estaduais e agradeceu pela repactuação da dívida com os estados e pela Lei da Repatriação. Voltando-se ao presidente, deu um recado que não poderia ser mais direto: “Nunca se preocupe com a impopularidade. Temos que fazer o que é preciso ser feito neste momento histórico”. De impopularidade, os dois entendem muito bem.

As ambulâncias

Das 340 ambulâncias repassadas aos municípios, 204 são novas e 136 foram utilizadas no Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Ao todo, 19 estados serão contemplados, em um investimento de R$ 67,6 milhões. Com a entrega, 27% da frota do Samu no Estado será renovada. Os prefeitos reivindicavam os novos veículos desde o ano passado, já que eles devem ser substituídos a cada três anos de uso ou 200 mil quilômetros rodados. Dos 61 municípios contemplados no Rio Grande do Sul, cinco ficam no Vale do Rio Pardo: Candelária, Sinimbu, Rio Pardo, Vera Cruz e Encruzilhada do Sul.

Logo que chegou ao Parque Assis Brasil, Temer cumprimentou servidores do Samu e entrou em uma das ambulâncias, onde posou para fotos. Depois, cada um dos prefeitos subiu ao palco e recebeu, simbolicamente, uma chave.

Objetivo principal do ato era entregar novas ambulâncias
Foto: Rodrigo Assmann

O QUE DISSE TEMER

Contas públicas
“Nos acostumamos muito com milhões e bilhões de deficit. Se há um deficit, temos que nos preocupar.”

Reforma da Previdência
“Estamos pensando no hoje e amanhã. Para o jovem de hoje ter a sua aposentadoria, tem que fazer a reforma.”

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Reforma tributária
“Queremos fazer uma revisão do pacto federativo para que os estados e municípios não tenham que a todo momento ir à União com pires na mão.”

Inflação
“Quando assumimos, a projeção era de 10,70%, e entregamos o ano com 6,70%. Com isso, os juros devem baixar.”

Dia também teve protestos, tumulto e spray de pimenta

A cerimônia transcorreu sem interferências, já que o acesso ao parque foi restrito a jornalistas credenciados e convidados. Por volta das 9h15, porém, houve confronto entre manifestantes ligados a diversas categorias – sobretudo do funcionalismo público –, que chegaram a ultrapassar o portão de um dos acessos, mas foram contidos pela Brigada Militar.

O grupo era pequeno (cerca de 60 pessoas naquele momento) e carregava bandeiras de centrais sindicais, placas e camisetas onde se lia “Fora Temer”, “Fora Sartori” e inscrições críticas contra as reformas. Quando os manifestantes entraram, brigadianos pediram que se retirassem, mas eles resistiram. Diante disso, sob xingamentos e até tentativas de agressão física, a tropa de choque da BM avançou sobre o grupo com escudos e spray de pimenta, o que forçou o recuo.

Os manifestantes permaneceram junto ao portão após o incidente, mas, como o pavilhão onde a cerimônia ocorreu era afastado, eles sequer foram ouvidos. Quando a solenidade se encerrou, por volta das 12h30, já não havia mais ninguém no local.

Grupo tentou ingressar no parque, mas foi impedido pela Brigada
Foto: Rodrigo Assmann

“Estamos rompendo as amarras”

Diante de uma plateia formada exclusivamente por aliados e simpatizantes, que o ajudaram com aplausos entusiasmados, Temer citou apenas “de passada” as ambulâncias. Disse que a primeira acusação sofrida quando propôs a PEC do Teto foi a de que iria retirar recursos da Saúde e Educação, mas, na verdade aumentou o orçamento das áreas. “Por isso estamos aqui, gastando dinheiro”, salientou.

No pronunciamento, exaltou a sua relação com o Congresso Nacional e defendeu as reformas propostas por sua gestão – além do ajuste fiscal, a previdenciária, a trabalhista e a do ensino médio –, afirmando que tem a pretensão de que sua gestão seja lembrada como “um governo reformista”. “Em poucos meses de governo, encaminhamos quatro reformas. Eu achava que isso ia levar dois anos. Estamos rompendo as amarras que seguram o Brasil”, afirmou, prometendo ainda uma reforma tributária.

DOIS ANÚNCIOS

Presídio federal no Rio Grande do Sul

• Temer confirmou que um dos cinco presídios de segurança máxima que o governo federal pretende construir será no Rio Grande do Sul. “Não é nada agradável anunciar presídio, mas a realidade social exige isso”, alegou. Segundo o presidente, a definição do local onde ficará a penitenciária caberá ao Estado. “A União não vai impor nada.” Assim que essa decisão for tomada, disse Temer, o governo começará a trabalhar no projeto do complexo.

Repatriação

• Temer também anunciou uma segunda chamada do programa de repatriação de recursos mantidos por contribuintes no exterior. Segundo ele, na lei já irá constar que tanto os recursos recolhidos a título de Imposto de Renda quanto os referentes à multa serão divididos com estados e municípios. Na primeira edição, isso aconteceu, mas somente após pressão de prefeitos e governadores.