“O cinema precisa tocar na alma”, afirma Nando Cunha
O 6º Festival Santa Cruz de Cinema foi realizado no final de outubro, mas ainda é assunto na cidade, por conta das personalidades que visitaram a região. Isso pelo impacto que o evento teve para o mercado audiovisual, com a vinda de nomes importantes dos dois lados da câmera (diretores, roteiristas, atores, atrizes, produtores e demais envolvidos na arte cênica, que circularam pelas ruas da “Santinha”). Um desses nomes (e rostos) é conhecido dos brasileiros há anos. Aos 57 anos de vida, Nando Cunha leva consigo uma extensa carreira na televisão, no cinema e, mais recentemente, no streaming.
Neste ano, ele visitou Santa Cruz do Sul pela segunda vez. Em 2018, ainda na primeira edição do evento, esteve na cidade participando do festival (Telentrega, curta que protagonizou, participou da seleção naquele ano e ganhou o troféu na categoria “Melhor Direção de Fotografia”). Nesta segunda passagem por Santa Cruz, veio no papel de jurado da Mostra Competitiva Nacional. “É uma responsabilidade, porque você está lidando com o sonho de muitas pessoas”, declarou Nando.
Durante a realização do festival (atente-se que os ganhadores ainda não tinham sido premiados e havia expectativa por atividades do festival que ainda viriam), o ator visitou a Redação Integrada da Gazeta Grupo de Comunicações e concedeu entrevista exclusiva ao Portal Gaz. Nando falou sobre as belezas de Santa Cruz, a atuação como jurado da Mostra, a carreira no audiovisual e a qualidade das obras do Festival Santa Cruz de Cinema, além dos critérios de avaliação das obras. “Cinema precisa tocar na alma, tirar da zona de conforto”, frisou.
Travessia
O ator Nando Cunha é natural de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O trabalho mais recente foi a novela Travessia, da Rede Globo, que terminou em maio deste ano. Na obra, interpretou Joel, um carismático garçom. Antes, atuou em Gênesis (Record TV – 2021), As Aventuras de Poliana (2018 – 2020), Tomara que Caia (2015), Geração Brasil (2014) e Salve Jorge (2013), entre outros.
No teatro, os trabalhos mais recentes foram Filho do Pai, Oi Quer Teclar e Lima Barreto. No cinema, atuou no curta Telentrega, que ganhou o prêmio de Melhor Direção de Fotografia no 1º Festival Santa Cruz de Cinema, em 2018, além de premiado nos festivais de Gramado e da Espanha (melhor ator). Em longas, também fez O Novelo (melhor ator e melhor filme pelo júri popular no Festival de Cinema de Gramado), A volta, O pulo do Gato, Os Suburbanos, Tim Maia e Apaixonados e Lascados.
Um ano agitado
Recentemente chegou aos cinemas nacionais Mussum, o Filmis, vencedor de cinco kikitos no Festival de Cinema de Gramado, incluindo o de melhor filme, no qual Nando Cunha faz o papel de Grande Otelo. Ainda neste ano estreou também Nosso Sonho, filme sobre Claudinho e Buchecha, onde deu vida ao pai do cantor Buchecha. Esse, inclusive, foi citado por Nando como um dos melhores trabalhos da carreira.
Ele tem um rosto conhecido pelos brasileiros e inúmeros trabalhos no currículo, interpretando os mais diversos personagens nas telinhas e nas telonas. Nando Cunha, aos 57 anos de vida, celebra uma carreira recheada de sucessos – e muitos outros ainda por vir. Na entrevista ao Portal Gaz, falou sobre o filme Nosso Sonho, história da dupla Claudinho e Buchecha, lançado em setembro, que se tornou a maior bilheteria nacional em 2023.
Na obra, Nando dá vida ao pai de Buchecha. “Era um personagem complexo demais, tinha um conflito muito grande com o Buchecha, mas ele foi muito importante tanto para a carreira musical quanto para a vida dele como pai”, destacou o ator. A produção foi citada por ele ao explicar as diferenças entre atuar no cinema, na televisão e no streaming. “Você vai fazer televisão, 30 cenas num dia. […] Já o cinema é mais artesanal”, contou.
O ator compartilhou memórias e expectativas para a carreira, além de destacar a importância do cinema nacional e dos curtas-metragens. “Cinema tem que tocar na alma, tem que te transformar”, ressaltou.
Entrevista – Nando Cunha, ator
Magazine – O senhor esteve na primeira edição do festival, em 2018. Como foi retornar? Sim, inauguramos o festival! Foi uma honra muito grande participar da primeira edição. Agora, na segunda vez, houve mais responsabilidade, por ter sido jurado. Quando você vem pela primeira vez, está aqui conhecendo a cidade. Agora, como jurado, precisa ter mais responsabilidade, tem compromissos junto com o corpo de júri. Foi legal rever Santa Cruz, lembrei de algumas coisas, como o túnel de árvores daqui, já lembrei de tudo. Eu falei: “Caraca, eu estava aqui nessa pracinha e tal”, foi muito bacana.
E o papel de jurado… Como é avaliar os filmes? Olha, é uma responsabilidade muito grande porque você mexe com o sonho de muita gente. Cinema é feito por várias mãos, muitas cabeças. E então é uma responsabilidade muito grande quando você entrega 700 obras para que fiquem 18. E dessas 18 vai sair uma de melhor filme ou de melhor direção de arte ou melhor som, enfim. Você tem que ter um critério muito minucioso. É uma responsabilidade muito grande porque não é só você premiar, dizer “esse aqui foi o melhor”. Foi todo investimento que aquela pessoa fez, tudo que ela depositou. Porque a pessoa não vai fazer um filme só para poder te agradar, ou dizer “olha só como eu sei fazer cinema”. Cinema tem de tocar na alma. Ele tem que te transformar, tirar do lugar de conforto. Então, é esse olhar que a gente precisa ter. Não é só a técnica, “essa luz está boa”, “nossa, essa fotografia está maravilhosa”. É como ele fez aquilo. E de que forma tocou as pessoas, sabe? Houve filmes maravilhosos, de conceitos originais, novos. Eu falei: “Nossa, isso daqui é novo, isso é um cinema novo”. O audiovisual emprega muita gente. É a segunda maior indústria do Brasil. É uma indústria maior do que a farmacêutica. Então gera muita renda, empregos e gera renda também no entorno da cidade. O comércio vai ganhar com o festival, o setor hoteleiro, o setor gastronômico, todo mundo ganha com isso. Então não é só a bilheteria do cinema, não é só o festival. É a cidade inteira. Fora dar emprego para as pessoas que moram aqui, que podem trabalhar no festival, ou fomentar novos cineastas com a Mostra Olhares Daqui. Então, ser jurado é uma responsabilidade muito grande. Porque você mexe com o sonho de muita gente, porque cinema você não faz sozinho.
O teu principal critério é o da sensibilidade? Sim, porque você não está vendo somente a questão técnica. O que aquele cineasta queria dizer com aquilo, porque ele te tocou tanto? É sobre a inclusão, sobre a diversidade, a respeito do contexto atual, tanto político quanto histórico, tem todo esse processo. Não adianta só fazer um filme que você acha artístico para você e não para os outros. Eu, por exemplo, quando saio de uma sessão, eu quero sair e falar daquele filme, porque ele me tocou de várias formas. Quando o cineasta faz isso ele acertou no que fez, ele foi assertivo. Não é só uma coisa do tipo “aquela luz estava maravilhosa”, “os planos estavam unidos”. É sobre de que forma ele te tocou, sabe? Porque se não tocar na alma, não é cinema.
Tua carreira fala por si só em questão de experiência. Mas só neste ano foram três filmes para a Netflix. Qual a diferença de gravar para cinema, televisão e streaming? É praticamente a mesma coisa, porque o streaming grava na linguagem do cinema. E na televisão é tudo muito industrial. Você vai fazer, em televisão, 30 cenas em um dia. E nessas 30 você tem drama, humor, você tem contemplação, tem um milhão de coisas. E você tem que estar preparado. Preparado para esse dia, para fazer tudo isso e entregar, porque o diretor espera pela entrega, ele não quer saber se você está preparado ou não. “Vamos embora. Vamos embora. Cena. Vamos para outra.” A responsabilidade do diretor é a de entregar esse produto pronto. E o ator tem que estar preparado para isso. Muita gente nova às vezes não entende esse processo, fica ali meio perdido, mas você precisa estar preparado para a indústria da televisão. O cinema é mais artesanal. O diretor te pega na mão, ele tem a paciência de estudar, falar sobre aquela cena contigo. Existe todo um preparo antes, para você poder fazer a cena. O filme Nosso Sonho, do Claudinho & Buchecha, para mim é meu melhor trabalho. Eu tive toda essa sensibilidade, toda a escuta desse diretor, que é o Eduardo Albergaria. Maravilhoso! E foi a primeira vez num set que me deram essa oportunidade, me respeitaram, me deram a liberdade de eu exercer meu ofício de ator. Tive a liberdade de fazer o que eu quisesse em cena. O cinema é você conversando com o diretor de arte, é você conversando com o figurino, conversando com o maquiador, para ver qual a melhor forma para entregar o personagem. Na televisão, o cara vai lá, passa uma maquiagem, “tchau, tchau, outro, senta aqui”. Afinal de contas, tem um elenco inteiro para maquiar, tem um elenco inteiro para vestir. Eu prefiro cinema por ser mais artesanal, por respeitar mais o tempo do artista, do ator. E a gente consegue entregar melhor, com excelência, o nosso trabalho. Por isso gostei muito do resultado do Nosso Sonho, em que interpretei o pai do Buchecha, que era um personagem complexo demais, tinha um conflito muito grande com o Buchecha, mas foi muito importante tanto para a carreira musical quanto para a vida dele. Foi uma pessoa muito relevante. E, na verdade, tão influente que foi dele a influência para fazer a música Nosso Sonho. Muitas das dancinhas era o pai que pedia para eles fazerem. E eu não perguntei nada para o Buchecha sobre o pai, queria ter distanciamento e respeito. Porque muitas cenas que eu fazia eram muito densas. Então não perguntava nada. Eu perguntava para a mulher do Buchecha, ou para os filhos. Para ele eu não perguntei nada, queria muito respeitar essa relação. E ele tem um carinho enorme pelo pai, apesar de o filme mostrar esse lado de conflito dos dois. É um personagem complexo, denso, muito difícil de fazer, mas espero ter entregado de uma forma bem bacana. Quem viu, disse que gostou!
Toda a complexidade do personagem, tem como explorar no caso dos curtas-metragens? Tem, porque no processo de fazer cinema tem esse tempo. Por mais que você vá fazer um curta-metragem, o cinema oferece esse tempo. Depois, logicamente, quem faz a mágica para colocá-lo em dez minutos é o montador, sofrem ele e o diretor. Mas a gente filma 300 mil horas! E aí você tem que condensar aquela historinha em cinco, dez minutos. Para mim, é uma arte enorme. Mas, sim, existe esse tempo também no curta. Eu estive com o Telentrega, do Roberto Burd, outro diretor que teve essa sensibilidade, essa escuta, importante para o ator. “É no teu tempo”, “o que você prefere?”. Não é aquele diretor que impõe: “Olha, quero isso e isso, esse é o melhor caminho”. Acho que no cinema precisa ter essa troca. Como a gente fala, o cinema é feito por várias mãos. Tudo é uma associação. E existe esse tempo também no curta-metragem. Eu acho que a melhor escola para o cineasta é o curta. Porque o cara que faz um curta, no longa-metragem ele vai brincar, vai ser um parque de diversões. Mas no curta ele vai ter que amarrar aquele roteiro bem direitinho, ele vai fazer aquilo se condensar. O tempo é menor, a grana é menor. Então ele precisa rebolar para poder fazer aquilo ali. A melhor escola para cineastas é realizar um curta-metragem. Se o cara começar logo no longa, vai se estrepar todo.
Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região.É gratuito. Inscreva-se agora no link »cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙
Publicidade
Naiara Silveira
Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.