Educação

“O Brasil precisa desesperadamente do trabalho de bons professores”, afirma Leandro Karnal

Em sua primeira tentativa de chegar a Santa Cruz do Sul, na década de 1960, Leandro Karnal queria visitar uma amiga que era freira. Sem conhecer a cidade, perguntou sobre o município a um conhecido, que o instruiu a parar na cidade “onde havia uma grande igreja gótica e que tinha uma escola ao lado”.

Vindo de São Leopoldo, de onde é natural, o hoje doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) seguiu as instruções do amigo e acabou deixando o ônibus mais cedo, em Venâncio Aires, onde também existe uma igreja no estilo neogótico com uma escola nas proximidades.

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A situação inusitada tirou risos da plateia e foi escolhida pelo historiador para iniciar sua conversa com os 758 professores da rede municipal de Santa Cruz do Sul que ocuparam todos os espaços do auditório central da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Considerado um dos maiores pensadores da atualidade, título que ele próprio rejeita, Leandro Karnal abriu a segunda etapa da Jornada Pedagógica da rede municipal de ensino na manhã de sexta-feira, 31.

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Em uma conversa de cerca de uma hora e meia, o escritor e professor com especialização em História da América, que também faz sucesso na internet – mantém cerca de 10 milhões de seguidores em suas redes sociais –, falou sobre a difícil profissão de educador e da missão dos professores em um mundo em transição. O advento de novas tecnologias, a pandemia de Covid-19, a crise disciplinar das salas de aulas e os baixos salários dos professores foram alguns dos principais assuntos que ganharam destaque no papo descontraído com os professores municipais.

Desafios que os educadores enfrentam foram abordados

Aos 60 anos, Karnal compartilhou um pouco de sua experiência como professor. A sua fama de grande orador pode ser comprovada pelos privilegiados que estiveram no auditório da Unisc nessa sexta-feira, que ainda tiveram as falas de dois grandes nomes da educação: a pedagoga e pós-graduada em Metodologia de Ensino pela Universidade Estadual de Maringá, com experiência na área educacional há mais de 37 anos, Regina Shudo, e o pesquisador e professor da USP, José Moran.

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Karnal levou situações muito conhecidas por professores da rede pública para destacar como o educador pode melhorar sua atuação em sala de aula. O ofício de ensinar jovens no mundo atual é considerado uma grande qualidade para o historiador. “Quem dá aula para o 5º ano está preparado para qualquer coisa. É mais difícil dar aula no 5º ano do Fundamental que no Ensino Médio, e é mais fácil ainda na faculdade”, observou.

Ele falou também sobre a dificuldade de manter alunos, principalmente os mais jovens, focados no objetivo do estudo. “Se você tem medo da risada dos adolescentes, não dê aula. Se tiver algum desequilíbrio psíquico, afaste-se da sala de aula”, disse, lembrando que doenças como depressão, ansiedade, insônia e outros distúrbios são comuns entre educadores da rede pública, tão carente de investimentos.

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Cada US$ 1,00 investido em educação dá o retorno de US$ 5,00 para o governo, lembrou Karnal, defendendo a maior valorização dos professores. “Olhem bem para o seu colega. Vocês nunca vão se aposentar”, disse, citando a reforma da Previdência. “Trabalhamos mais do que todo mundo. A França está pegando fogo porque não admitem a aposentadoria aos 64 anos. Para nós, seria o paraíso”, disse Karnal, lembrando que a maioria dos professores acaba se aposentando apenas quando não têm mais condições físicas, em virtude do baixo benefício pago pela Previdência.

Sobre a tecnologia, o historiador lembrou que, pela primeira vez, há um assunto onde os alunos sabem mais do que os professores. Apesar disso, ele destacou que a criatividade e a capacidade de aprender são condições humanas que sempre serão valorizadas. “Tente explicar a um robô por que a aula para quando começa a chover. Os alunos começam a prestar atenção na chuva, como se agricultores fossem.”

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O professor frisou ainda que toda tecnologia precisa ser usada com sabedoria. Ele citou o exemplo da Alemanha durante o período da Segunda Guerra, quando o maior investimento em educação feito foi a compra de retroprojetores para todas as salas de aulas do país, em uma ação do ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, de modo a doutrinar os alunos, muitos dos quais se juntaram à Juventude Hitlerista. “Ou seja, a tecnologia pode estar a serviço de um nazista”, exemplificou.

Questionamentos

Na reta final de sua fala, Leandro Karnal ainda respondeu a questionamentos que vieram da plateia. Um deles foi sobre a importância da inclusão nas escolas. Para o educador, é importante que todos os alunos ocupem os mesmos espaços, mas é preciso capacitar o professor. Ele ainda defendeu que o professor seja um ferrenho defensor da ética, posicionando-se contra as violências cotidianas da sala de aula. “Se eu dou risada do nome complicado de um aluno, eu estou praticamente autorizando o bullying contra essa criança.”

Para finalizar, Karnal deu uma dica de motivação aos profissionais da educação: “Quando lhe faltar motivação, coloque no bolso três boletos, os piores. Você vai sentir uma força que nunca sentiu”, levando o público às gargalhadas. Foi aplaudido de pé ao final da fala.

Uma forma de qualificar o ensino

Para o secretário de Educação de Santa Cruz do Sul, Wagner Machado, a presença de Leandro Karnal; da pedagoga Regina Shudo e do pesquisador José Moran foi ao encontro da realidade que os profissionais encontram nas salas de aula do município. “Todo professor pôde se identificar. Ele citou muito a 5ª série, e todo professor sabe que é um desafio gigantesco. Os nomes de hoje, incluindo a Regina Shudo e o José Moran, eram muito esperados, e são nomes que a nossa equipe esperava ver um dia.”

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Machado lembrou ainda que Santa Cruz do Sul já tem um reconhecimento por apresentar bons níveis educacionais nas escolas. Prova disso foi a própria fala de Leandro Karnal, que citou que a realidade do município é melhor do que a maioria dos municípios brasileiros. “Nosso profissionais são fortemente habilitados e buscam a excelência. Não apenas no contexto da educação, mas a excelência particular. Acredito que momentos como esse são para isso, para buscarmos a excelência, e uma sociedade excelente só se faz com uma educação de excelência”, destacou o secretário.

Entrevista – Leandro Karnal, historiador

Gazeta – Quais os maiores desafios que os professores da rede pública enfrentam atualmente? Os desafios tradicionais, de foco e disciplina, sempre existiram. As novidades são que temos uma inteligência artificial, uma destruição da noção de disciplina e um próprio debate sobre qual é a função da escola. Afinal, o que ensinar para um mundo em que o saber tradicional está totalmente defasado?

Os jovens de hoje estão sem vontade de se tornarem professores. O que isso significa? É muito mais difícil. Nós temos hoje uma grande escassez de grandes vocações pedagógicas, porque o salário é baixo, o desafio é enorme e o estresse é muito alto. Cobra-se muito dos professores, oferece-se muito pouco. Por isso é necessário fazer encontros como esse que fizemos com os professores de Santa Cruz do Sul. Para que a gente, junto com profissionais de educação, possa debater qual o sentido das coisas que a gente faz.

Como o senhor se sente quando as pessoas o classificam como um dos maiores pensadores da atualidade? Um completo exagero. Existem pensadores muito melhores, muito mais tradicionais. Eu sou uma pessoa que tem comunicação com as pessoas, mas não sou um dos grandes pensadores atuais.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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