Feliz, dançando na pista próxima a um palco montado no Parque da Oktoberfest, em um evento. Essa será a imagem guardada por Giovani de Mellos, 31 anos, de seu pai, Inácio Rogai de Mellos, 54. Foi a última vez que eles se viram. Menos de uma semana depois, em 16 de junho de 2023, Inácio, que era morador do Loteamento Berçário Mãe de Deus, no Bairro Santuário, foi assassinado com requintes de crueldade.
Ele queria apenas tentar salvar o amigo João Carlos da Silva, apelidado de Sorriso, de 40 anos, que também sofria duros golpes e viria a falecer dez dias depois. Giovani e sua companheira Kelly Amanda Simões, 29, moradores do Bairro Esmeralda, reviveram o caso emblemático nessa sexta-feira, na sessão do Tribunal do Júri que marcou o fim do processo. O autor confesso dos dois assassinatos, Fabiano Rodrigues Vargas, 28 anos, foi condenado a 15 anos de prisão.
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O caso que gerou o procedimento na Justiça aconteceu por volta das 19h50. As duas vítimas e o autor estavam sentados em um banco da Praça Getúlio Vargas, próximo da Rua Marechal Deodoro, junto de outros conhecidos. Conforme as investigações da Polícia Civil, em determinado momento, Fabiano achou que a companheira Margarete Alves da Silveira, de 35 anos, estava se insinuando para Sorriso e, sem pensar, iniciou as agressões.
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Deu diversos golpes com pedaços de galhos de árvores na cabeça e no pescoço da vítima. Amigo do ferido, Inácio tentou defendê-lo, mas não conseguiu conter a fúria de Fabiano e também levou pauladas. Essa segunda vítima ainda teve jogado contra sua cabeça um vaso de concreto utilizado para o plantio de flores na praça. Inácio morreu no anoitecer do dia do crime, 16 de junho. Ele foi socorrido, mas faleceu antes de dar entrada no Hospital Santa Cruz.
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Já Sorriso lutou pela vida durante dias, mas também não resistiu. Ele morreu na madrugada do dia 26 de junho. Era dele o cão Lobisomem, que teve sua história contada em uma reportagem da Gazeta do Sul e permanece na praça onde o seu tutor foi morto. Não havia familiares dele acompanhando o júri.
Preso em flagrante pela Brigada Militar no dia da ocorrência, Fabiano, que já chegou a ser internado 22 vezes por uso de drogas, permaneceu recolhido desde então.
A sessão de sexta-feira iniciou-se às 9h30 e foi presidida pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse. Cinco homens e duas mulheres foram sorteados para formar o corpo de jurados. O Ministério Público, autor da denúncia, foi representado pelo promotor Gustavo Burgos de Oliveira. A defesa de Fabiano foi feita pelo defensor público Arnaldo França Quaresma Júnior. Não houve depoimentos em plenário.
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Tão logo a sessão teve início, o defensor Arnaldo afirmou que Fabiano não iria se pronunciar, mas que o réu confessava os delitos. Depois foi a vez do promotor Gustavo falar. Ele prestou condolências aos familiares de Inácio que acompanhavam o júri. Depois de traçar o histórico de ocorrências na ficha do réu, que incluíam duas condenações enquanto adolescente por estupro de vulnerável e um assalto a taxista, o promotor apresentou aos jurados um vídeo com um depoimento marcante.
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Uma médica anestesista foi interrogada como testemunha na fase de instrução do processo. Ela passava com o marido, também médico, nas imediações da praça, quando viu o fato. “Ele batia muito em um deles, de um jeito traumatizante. Nunca tinha visto tanta brutalidade. Nem consegui dormir por dias”, disse a mulher à juíza Márcia sobre a ação do autor, durante a audiência de instrução mostrada em vídeo aos jurados.
Por fim, Gustavo pediu ao conselho de sentença que condenasse Fabiano por duplo homicídio qualificado, com a qualificadora de recurso que dificultou a defesa das vítimas, pois elas teriam sido pegas de surpresa com o ataque. Em sua oportunidade de falar, o defensor Arnaldo pediu o afastamento da qualificadora. Segundo ele, já haveria uma animosidade anterior entre autor e vítimas, que não causaria uma surpresa de fato com o ataque.
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Os jurados acolheram essa tese da Defensoria Pública e, embora tenham condenado Fabiano, afastaram a qualificadora para cada um dos homicídios. Esse fato, somado à atenuante de confissão do réu, resultou na diminuição da pena, que ficou em sete anos e seis meses para cada assassinato, resultando em 15 anos de prisão em regime fechado. Fabiano, que foi levado em escolta da Polícia Penal até o Fórum, retornou ao presídio de Santa Cruz. Ele não poderá apelar da sentença em liberdade.
O duplo homicídio causou repercussão na cidade, principalmente por ter sido cometido em um dos principais redutos de lazer da comunidade, a Praça Getúlio Vargas, em plena área central de Santa Cruz, em frente à Catedral São João Batista, e próximo de instituições de ensino, supermercado e bancos. O poder público na época reiterou a necessidade de garantir mais segurança.
O fato é que, depois do caso, a praça passou a ser menos requisitada para eventos e atividades. Giovani e Kelly, que acompanharam o júri, contam que nem passam mais ao lado de onde ocorreu o crime contra o familiar. Em entrevista à Gazeta, eles contaram que estavam tomando café, no sábado da manhã seguinte ao homicídio (que foi em uma sexta-feira à noite), e viram a notícia do assassinato, ainda sem saber que se tratava de Inácio.
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“Tenho o costume de acordar de manhã e já olhar o Portal Gaz. Vi na foto que tinha bastante sangue ali onde ocorreu e comentei com minha esposa. Depois minha cunhada ligou que o padrasto dela tinha se informado que era meu pai”, contou Giovani. Na noite de sexta, o casal também estava no Centro, na Rua Marechal Floriano, mas não viu nada no local.
Em virtude de o rosto estar bastante machucado e já ter iniciado a necropsia, uma profissional do IML pediu para que o filho da vítima reconhecesse o corpo a partir de uma informação. “Eu disse que ele tinha uma tatuagem com um desenho de peixe no braço, que foi confirmado pela mulher.”
Segundo Kelly, um dos fatos que mais entristeceram a família foi terem relatado, durante a ocorrência e o processo, que Inácio era morador de rua. “Ele era pedreiro de uma empresa de construções e, antes de ir para a praça naquele dia, estava trabalhando na reforma da rodoviária”, disse a nora da vítima. Inácio Rogai de Mellos, que sofria de alcoolismo, estava com roupa da firma e não tinha celular.
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O fato de ele ser tratado inicialmente como morador de rua trouxe problemas para a família. Inácio quase foi classificado como indigente e teve o corpo remetido para Porto Alegre sem que os familiares soubessem. Devido aos graves ferimentos, o enterro teve de ser feito com caixão fechado. “A gente não imagina acordar num sábado de manhã e pensar que ele estava há mais de 12 horas morto.
Provavelmente nem iam procurar a família, porque achavam que ele era morador de rua”, completou Kelly.
“É difícil pra gente um ano depois ter que reviver isso. Mas o pior é ver as pessoas achando que ele era morador de rua, que pode ser tratado com desdém”, finalizou a mulher. Giovani comentou a condenação do réu. “A pessoa não volta mais, mas é um sentimento de que a justiça está sendo feita. Fica é a revolta de saber que em poucos anos ele vai estar convivendo com a gente nas ruas de novo.”
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