A menos de um ano da eleição presidencial, a Lei de Improbidade Administrativa, que trata de condutas irregulares cometidas por agentes públicos, pode ficar mais branda. Um projeto de lei que prevê a exigência de comprovação de má-fé para que uma pessoa seja condenada teve a votação concluída essa semana pela Câmara dos Deputados e agora segue para análise do presidente Jair Bolsonaro, que pode sancioná-la ou vetá-la.
A norma, porém, é polêmica: enquanto para alguns a flexibilização vai evitar injustiças, outros veem como um entrave ao combate à corrupção. Criada em 1992, a Lei de Improbidade caracteriza atos que causam prejuízos aos cofres públicos ou atentam contra os princípios da administração pública.
Dentre as penas previstas, estão ressarcimento ao erário, bloqueio de bens, perda da função pública e suspensão de direitos políticos. Se o texto for sancionado, a principal mudança na lei será a exigência do dolo (intenção de causar prejuízo aos cofres públicos). Na prática, irregularidades cometidas por imprudência, negligência ou interpretação equivocada da legislação não poderão mais ser enquadradas, apenas situações em que o agente público agiu de forma consciente.
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Pela regra em vigor, a condenação pode se dar tanto por atos dolosos quanto por atos culposos (sem comprovação de intenção). O projeto também tem outros pontos polêmicos, como a mudança do prazo de prescrição – que passaria a contar a partir da ocorrência do ato e não mais do término do mandato.
“Sem provar o dolo, fica muito genérico”, afirma Costa
Embora admita que a nova versão da lei é favorável à defesa, o advogado Ademar Antunes da Costa, que atua em ações de improbidade, acredita que a comprovação de dolo é uma necessidade. Segundo ele, hoje é comum agentes públicos serem responsabilizados por atos cometidos sem má-fé, sobretudo em órgãos públicos de localidades pequenas, que não dispõem de uma grande estrutura de assessoria jurídica.
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“Sem provar o dolo, fica muito genérico. E as consequências são muito grandes”, alega. Para ilustrar o argumento, Costa usa o caso fictício de um prefeito que recebe verba da União para reformar um posto de saúde, mas que, além de reformar, amplia a unidade. “Isso seria um ato de improbidade, porque o dinheiro veio com uma finalidade e foi aplicada em outra”, alegou.
Costa também discorda que o dolo seja difícil de provar na prática e, por consequência, que o combate à corrupção será comprometido com a nova lei. “Os fatos por si demonstram a má-fé. O juiz tem a capacidade de identificar”, afirmou. Sobre a possibilidade de acusados se valerem do novo prazo de prescrição para atrasar processos mediante recursos, Costa alega que esses instrumentos são um direito dos réus. “Advogado não faz milagre. Só aplica a lei”, frisou.
“Abre brecha à tese do ‘eu não sabia’”, diz Barin
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Para o promotor de Defesa Comunitária de Santa Cruz, Érico Barin, a flexibilização na Lei de Improbidade é reflexo do que considera “uma verdadeira represália ao avanço do combate à corrupção presenciado nos últimos anos”. Na sua visão, se sancionada, a norma deve favorecer a impunidade de agentes corruptos e dificultar a reparação de prejuízos ao erário.
“A nova lei inicia ferindo de morte o princípio do Direito Administrativo de que o funcionário público só pode fazer o que a lei permite. Abre brecha às teses do ‘eu não sabia’ ou ‘fiz sem intenção’”, critica. Segundo Barin, atualmente, mesmo nos pequenos municípios, os gestores públicos dispõem de assessorias ou meios de obtenção de consultas prévias ou pareceres jurídicos acerca de seus atos.
“A lei atual, como regra geral, já exige o dolo para condenação por improbidade. Apenas admite improbidade por culpa grave ou erro grosseiro quando há prejuízo ao erário. Todas as ações de improbidade são submetidas ao contraditório, a um rito extremamente benéfico ao réu e a julgamentos em várias instâncias judiciais”, comentou.
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Ainda conforme o promotor, a proposta “reduz hipóteses de tipificação de improbidade, dificulta a produção da prova pelo Ministério Público e cria uma prescrição ‘fora da realidade’”. “Sem dúvida, a nova lei trará significativo retrocesso e fará aumentar o que já é um problema endêmico no Brasil”, concluiu.
Comprovação de má-fé
A principal mudança é que, para que um agente público seja condenado por improbidade, será necessário comprovar o dolo, ou seja, intenção de causar um prejuízo ao erário. Atualmente, a condenação pode ocorrer tanto por atos dolosos quanto por atos culposos – com ou sem má-fé.
Exclusividade do MP
Apenas o Ministério Público poderá ajuizar ações de improbidade administrativa. Atualmente, procuradores municipais, estaduais e da União podem propor esse tipo de ação.
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Perda da função pública
Pelo projeto, quando houver condenação por enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, a sanção de perda da função pública atinge somente o vínculo da época em que o ato foi cometido. Isso significa, que se um deputado federal for condenado por conta de um ato da época em que foi prefeito, não poderá perder o mandato de deputado.
Prazos
Hoje, ações de improbidade só podem ser ajuizadas até cinco anos após o término do mandato ou do exercício da função. Pela proposta, esse prazo passará a ser de oito anos a partir da ocorrência do fato. Também é previsto que o prazo para conclusão de um inquérito sobre improbidade será de um ano, prorrogável uma única vez. Atualmente não há prazo.
Tipificações
Pela proposta, a lei deixará de exemplificar condutas classificadas como improbidade, o que, na prática, pode restringir as tipificações.
Nepotismo
O projeto também inclui o nepotismo (contratação de parentes de agentes públicos) no rol de condutas de improbidade. Porém, será necessário comprovar que a indicação teve o intuito de gerar prejuízo ao erário.
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