Iniciei falando da Noruega através de um de seus heróis, Roald Amundsen, e concluo aludindo a um de seus maiores vilões, responsável pelo maior ato de violência na nação desde a Segunda Guerra Mundial. Não vale a pena focar no indivíduo, cujo nome nem citarei, abjeto por sua estupidez, racismo e maldade, mas sim na resposta exemplar que um país e um povo tiveram diante de tamanha atrocidade.
Em 22 de julho de 2011, dois ataques terroristas chocaram a Noruega e o mundo. Atribuídos em um primeiro momento a algum grupo radical islâmico, logo ficou provado que tinham sido planejados e executados por um único indivíduo, norueguês, branco e ultranacionalista. Às 15h26, um carro-bomba explodiu ao lado do prédio governamental que abriga o gabinete do primeiro-ministro, no centro de Oslo, matando sete pessoas e deixando mais de 200 feridos. Enquanto a força policial estava às voltas com a ocorrência, o autor chegava em um bote, vestido de policial, à Ilha de Utoeya, a 40 km de Oslo, onde acontecia um congresso da juventude do Partido Trabalhista. Setenta pessoas, na maioria adolescentes, foram mortas com tiros de rifle e pistola semiautomáticos. A vítima mais jovem tinha apenas 14 anos. O assassino, que friamente recarregava suas armas ao longo da chacina, foi preso ainda na ilha, confirmando a conexão entre os dois atentados.
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Desde as primeiras horas, a forma com que o país reagiu chamou muito a atenção, com milhares de pessoas pelas ruas da capital cantando e carregando rosas. No tapete de flores criado em frente à Catedral de Oslo, aparecia a seguinte mensagem: “Se um homem pode demonstrar tanto ódio, imagine quanto amor nós podemos expressar juntos”. O primeiro-ministro Jens Stoltenberg repetia incansavelmente que não deixaria que os valores do país fossem abalados, e que a resposta à violência seria mais democracia, mais abertura e maior participação política.
Passados dez anos, a promessa foi cumprida, sem mudanças na legislação, sem poderes especiais conferidos às forças policiais – que quase sempre andam desarmadas – e com o condenado cumprindo a pena máxima de 21 anos isolado em uma confortável prisão onde, caso siga sendo considerado uma ameaça à sociedade, poderá ser mantido além desse período. Durante o julgamento, permitiu-se que ele expressasse sua ideologia islamofóbica e fizesse uma saudação de extrema-direita cada vez que entrava no tribunal, a poucos metros de sobreviventes e parentes das vítimas. Essa liberdade de expressão e relativa publicidade, mais do que difundir alguma ideia radical, parece ter causado dano ao neofascismo, por permitir à população um julgamento livre e informado. De fato, o apoio a grupos extremistas na Noruega diminuiu sensivelmente na última década.
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Reconheço que não é fácil nem intuitivo aceitar essa conclusão, visto que alojamos em nosso genoma a sede de vingança e a tendência de achar que direitos humanos não se aplicam a bandidos e assassinos. Contudo, convém lembrar que a personalidade humana é um instrumento sofisticado, que precisa ser tocado com sensibilidade e inteligência, e não com instintos primitivos.
A melhor forma de combater terror e brutalidade, em qualquer ponta do espectro político, é agir de forma superior, evitando adicionar combustível à fogueira do radicalismo. O objetivo do terrorista é chocar, dividir e nos coagir a sacrificar a liberdade em favor de uma ilusória segurança. Obviamente, contenção e defesa são eventualmente necessárias em situações extremas. Porém, quando escolhemos vingança e agressividade como regra para tratar a violência, terroristas e criminosos venceram a batalha. De forma cada vez mais evidente, detenções sem julgamento, armamento indiscriminado da população, tortura e tratamento diferenciado de criminosos, como aplicam os Estados Unidos em Guantánamo, são medidas contraprodutivas para a solução da criminalidade e do extremismo.
A Noruega e os países escandinavos não são perfeitos, mas servem como baliza para que entendamos como proceder quando parece necessário escolher entre liberdade individual e retrocesso ao autoritarismo. Diante da brevidade e finitude da existência, e em clara oposição à involução de regimes de exceção, cito uma frase repetida pelo explorador Roald Amundsen no final de sua vida: “A felicidade é a capacidade de utilizar plenamente nosso único e inigualável potencial.”
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