Poucas nações foram tão influenciadas pela geografia como a Noruega. Seus fiordes acidentados e plácidos e suas
montanhas geladas geraram uma das mais lendárias e temidas civilizações da Europa pré-medieval: os Vikings. Além das características físicas, o povo norueguês contemporâneo herdou dos antepassados a sede de independência e de autossuficiência, recusando-se a participar da Comunidade Europeia e agindo com certo nacionalismo racional no culto às tradições e nas preferências comerciais – mesmo pagando mais, os locais quase sempre escolhem comprar o que é produzido localmente. Como em outros países escandinavos, o frio também ajudou a determinar o futuro político da nação, com uma sustentável social-democracia e a mão do estado protegendo os cidadãos mais necessitados.
A capital Oslo, com 700 mil habitantes, cresceu em torno da Fortaleza Akershus e é hoje uma cidade moderna, bem planejada e muito cara. Ao contrário do restante do país, uma população multiétnica e heterogênea dá um ar cosmopolita ao centro urbano, que, até 1925, se chamava Kristiania. Um dos lugares que mais me chamou a atenção e ao qual voltei muitas vezes é um enorme parque, dedicado ao escultor Gustav Vigeland. Mais de 200 de suas esculturas dominam a paisagem dos 44 hectares do Parque Frogner, no centro do qual figura o controverso Monólito, uma coluna formada por 121 corpos entrelaçados esculpidos no granito. Um museu no local mostra outras obras e os modelos usados pelo escultor.
Além de Vigeland, a pequena população do país tem expoentes em várias áreas. Henrik Ibsen na poesia e dramaturgia, Edvard Munch na pintura (“O Grito”), Jostein Gaarder na literatura (O mundo de Sofia), o compositor Edvard Grieg, passando pelos exploradores Roald Amundsen e Fridtjof Nansen, além do aventureiro Thor Heyerdahl, que em 1947 navegou da América do Sul até a Polinésia a bordo de uma jangada de madeira leve, o Kon-Tiki, reforçando a teoria antropológica de migração entre os continentes asiático e americano. Como exemplo da importância da cultura para o país, a Noruega está entre os líderes mundiais de publicações de livros, com mais da metade deles por autores locais. A literatura é subsidiada pelo governo de várias formas, incluindo isenção de impostos, subvenção aos autores e compra de livros para as mais de 5 mil bibliotecas públicas, uma para cada mil habitantes (no Brasil, há uma biblioteca pública ou escolar para cada 40 mil pessoas).
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A riqueza do país provém em grande parte das vastas reservas de petróleo ao longo da costa do Mar do Norte. A estratégia governamental, contudo, foi a de utilizar esses recursos para promover igualdade, justiça social e manter reservas financeiras em uma nação que, mesmo assim, tem impostos altíssimos e investe massivamente em energia renovável. Minhas dezenas de passagens pelo país incluíram, além de Oslo e cidades vizinhas, as belas regiões costeiras de Bergen e Stavanger, onde a economia gira em torno do petróleo, impulsionada principalmente pela gigante estatal Equinor (antiga Statoil). O país parte da premissa de não depender de um recurso finito e há muito se prepara para o fim da bonança de hidrocarbonetos, diversificando suas fontes de provento. Essa atitude cautelosa permitiu que, por exemplo, a nação seguisse crescendo e o desemprego ficasse abaixo de 3% durante a crise econômica mundial de 2008.
Como seus demais vizinhos nórdicos, a Noruega aparece como um dos dez países mais felizes do mundo e é o primeiro em desenvolvimento humano (índice HDI). O modelo da economia é baseado no bem-estar social, alto índice de sindicalização e mais de 30% da população empregada no setor público, com ampla e eficiente atuação de empresas estatais em todas as áreas.
A cerimônia de entrega do Prêmio Nobel da Paz acontece tradicionalmente no saguão da prefeitura da capital norueguesa, e a criação da honraria foi no mínimo inusitada. Um certo dia, Alfred Nobel, inventor do dinamite que enriqueceu com a fabricação de explosivos e armamentos, leu por acidente um obituário dele mesmo, previamente preparado por um jornal para o dia em que morresse, no qual era criticado pelo poder destruidor de suas invenções. A partir daí, o sueco decidiu que toda sua fortuna seria dedicada a um fundo que premiasse pessoas de destaque em várias áreas de atuação, incluindo a promoção da paz e da fraternidade. Ao lado do imponente prédio em estilo funcional da prefeitura de Oslo, o Centro Nobel da Paz exibe documentos e conta a história de cada um dos agraciados, desde 1901. Que poder transformador surgiria em muitas pessoas, de redenção ou de estímulo, se também pudessem ler seu futuro necrológio!
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