Em 17 de janeiro de 1912, o aristocrata oficial da marinha britânica capitão Robert Scott chegava ao polo sul geográfico. O júbilo de colocar os pés no local almejado por exploradores do mundo todo foi subitamente substituído pela sensação de fracasso. Após dois meses de extenuante jornada, Scott deparou-se com uma bandeira norueguesa, tremulando sobre uma pequena tenda apelidada de Polheim, A Casa do Polo.
Desconsolado, o britânico encontrou mantimentos, uma carta para o rei norueguês e um bilhete: “Prezado Capitão Scott, como provavelmente será o primeiro a chegar aqui depois de nós, peço-lhe que encaminhe esta carta ao Rei Haakon VII. Não hesite em usar qualquer item deixado nessa tenda. Com estima, desejo-lhe um retorno seguro. Sinceramente, Roald Amundsen”. Embora a intenção da nota escrita pelo norueguês em 14 de dezembro de 1911 fosse notificar o mundo no caso de ele perecer no retorno, Scott sentiu-se humilhado. O explorador ilustre do império estava reduzido a um garoto de recados.
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Nos meses que precederam a corrida ao polo sul, enquanto o capitão inglês participava de jantares da sociedade britânica, Roald Amundsen preparava-se para a aventura austral passando meses com os povos inuit na Groenlândia. Ali aprendeu, entre outras coisas, sobre as roupas adequadas ao frio extremo, a comida que deveria levar e qual raça de cães seria a mais acertada para o tracionamento dos trenós. O norueguês levou mais de 50 animais da raça Husky Groenlandês, decisão que acabou se tornando o cerne de seu sucesso. Além de melhor adaptados ao frio de até 60 graus negativos, os cães eram, conforme a necessidade, sacrificados para alimentar os membros da expedição e os demais caninos. Scott, por sua vez, levou consigo pôneis, que dependem de gramíneas, alimento raríssimo no continente gelado. A história da corrida ao polo sul no início do século 20 está descrita com maestria em um dos melhores livros que já li: O último lugar da Terra, do inglês Roland Huntford, e o espírito de Amundsen e de sua expedição representa muito bem o conceito de cidadania e liderança do povo escandinavo.
A Noruega, embora tenha uma tradição milenar que remete aos povos vikings, é um país relativamente novo, independente desde a dissolução da união com a Suécia, em 1905. Para a incipiente monarquia, os noruegueses elegeram e importaram um príncipe da família real dinamarquesa, renomeado Haakon VII, que se tornou o primeiro rei da dinastia que hoje tem seu neto Harald V no trono. A população, de pouco mais de 5 milhões, está concentrada no sul do país e, além dos descendentes de vikings, é formada por outras etnias, incluindo, por exemplo, os sámi, nativos que habitam o norte do território e gozam de direitos e privilégios sobre sua terra e seus costumes, tendo até um parlamento próprio.
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Em Oslo, repeti algumas vezes uma visita que sempre traz novas descobertas. Um museu às margens do Fiorde de Oslo abriga o Fram, navio que levou Amundsen e sua equipe à Antártica, além de conter todos os detalhes da expedição e de outros feitos de navegação marítima (e aérea) do explorador, como a descoberta da passagem noroeste, que liga o Atlântico e o Pacífico através do Oceano Ártico. Sua façanha no polo sul, comparável para a época à exploração espacial, é um exemplo de preparação, persistência, formação de equipe e, acima de tudo, liderança com humildade. Amundsen cunhou o conceito de “Navio Feliz”, onde todos trabalham de forma independente, com disciplina e sem coerção. Em vez de temer um capitão autoritário, cada um sabe o que deve fazer e todos trabalham por um objetivo comum.
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O inglês Scott e seus quatro companheiros de equipe morreram na tentativa de retornar à costa antártica, vitimados pelo frio, fome, falta de vitamina C (escorbuto) e, principalmente, pelo despreparo e arrogância. Roald Amundsen tornou-se o grande mestre polar para os que vieram depois e, com seu realismo impassível, ensinava uma lição que navegadores e aviadores carregam como fundamental: “É inútil lutar contra a natureza. Ela vencerá sempre”. Mais uma vez, sua estratégia discreta, ponderada e cuidadosa reflete bem o pensamento do povo norueguês.
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Ainda que as características geográficas e culturais sejam diferentes de outros povos, dos pontos de vista de cidadania e sustentabilidade a Escandinávia segue sendo referência. Se, daqui a muitas gerações, o Brasil chegar em um patamar aceitável de justiça social e humanidade, é possível que encontremos por lá uma bandeira escandinava.
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