Justíssima. Essa é a conclusão a que se chega em torno do anúncio do nome da francesa Annie Ernaux como a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2022, o que ocorreu no dia 6 de outubro. Ela estava há anos na lista dos prováveis ganhadores, a bem da verdade, e era apontada mesmo como uma das favoritas, num leque de grandes escritores de todas as regiões do planeta. Mas, aos 82 anos, completados no dia 1º de setembro, Annie agora se junta ao seleto grupo dos imortalizados, que terão sua obra referida ao longo das décadas, ou dos séculos.

E o curioso é que, a exemplo de seu conterrâneo Patrick Modiano, 77 anos, até então o mais recente francês a obter o Nobel, em 2014, ela costuma lançar livros breves, até com bem menos de cem páginas (em raras exceções vai além das 200 páginas). Se sua obra não é de amplo fôlego na extensão, é de uma densidade e de um impacto tremendos.

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O que ela não estende em número de páginas concentra num mergulho em profundidade na alma e no coração humanos. E, novamente na linha de Modiano, sua história de vida e sua memória oferecem o material com o qual forja, molda, uma literatura que, se é ficcional na essência, não deixa de trabalhar com traumas ou temas bem pessoais.

Uma obra impactante que já está nas livrarias

De origem bastante humilde, Annie Ernaux é a testemunha de uma França, e de uma Europa, de fortes e quase inconciliáveis contrastes. Em sua trajetória, equilibrou em paralelo as carreiras de professora de Literatura em diferentes níveis, do fundamental ao superior, com a de escritora, tendo assinado cerca de 20 livros. Com eles, e por eles, tornou-se a primeira autora francesa a ser agraciada com o Nobel.

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E, ao contrário do que costuma ocorrer com certa frequência nos anúncios de Nobel, quando os ganhadores são quase desconhecidos ou nunca tiveram sua obra editada no Brasil (foi o caso, em 2021, do tanzaniano Abdulrazak Gurnah, hoje já editado pela Companhia das Letras), os romances de Annie Ernaux estão presentes nas livrarias desde o ano passado. A editora paulista Fósforo é responsável por proporcionar aos leitores brasileiros parcela da obra da francesa: os primeiros a serem lançados, ainda em 2021, quando Annie já tivera seu nome aventado para o Nobel, foram os romances Os anos e O lugar, ambos em tradução de Marília Garcia.

No primeiro, ela tece um olhar panorâmico sobre um amplo período de sua formação, desde seu nascimento, em 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial. No outro, dedica-se a resgatar lembranças associadas ao seu pai, um operário que, ao lado da esposa, a certa altura conseguiu investir em um pequeno café, do qual a família viveu, e cuja renda permitiu à filha seguir nos estudos.

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Em 2022, a Fósforo deu seguimento ao esforço de editar Annie Ernaux, com o lançamento, no primeiro semestre, de O acontecimento, em tradução de Isadora de Araújo Pontes. É um livro central em sua produção, em que aponta o quanto foi determinante, na sua vida, a decisão de realizar um aborto. E alguns dias antes do anúncio do Nobel, em 20 de setembro, chegou às livrarias o quarto romance de Annie pela Fósforo, A vergonha, novamente em tradução de Marília Garcia, obra na qual se ocupa de uma violência doméstica praticada por seu pai contra sua mãe. Um quinto livro deve ser lançado ainda em 2022, O jovem, em que rememora a relação que teve com um homem 30 anos mais novo.

Annie tem visita programada para o Brasil neste período posterior ao anúncio do Nobel. Em novembro, será uma das atrações na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro. Constitui oportunidade para que sua obra seja mais amplamente divulgada e repercutida, sendo que o romance O jovem será justamente lançado durante sua estada no País.

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Só há pouco percebi

De O lugar, de Annie Ernaux, no Brasil lançado pela editora Fósforo, em tradução de Marília Garcia

que escrever o romance é impossível. Para contar a história de uma vida regida pela necessidade, não posso assumir, de saída, um ponto de vista artístico, nem tentar fazer alguma coisa cativante ou comovente. Vou recolher as falas, os gestos, os gostos do meu pai, os fatos mais marcantes de sua vida, todos os indícios objetivos de uma existência que também compartilhei.

Nada de memória poética, nem de ironia grandiloquente. Percebo que começa a vir com naturalidade uma escrita neutra, a mesma escrita que eu usava em outros tempos nas cartas que enviava aos meus pais contando as novidades. (…)

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Escrevo bem devagar. Enquanto me esforço para reconstruir a trama de significados de uma vida, levando em conta acontecimentos e escolhas, tenho a sensação de que vou perdendo, na essência, a figura do meu pai. O plano traçado tende a ocupar todo o espaço,
a ideia vai caminhando sozinha.

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