Uma das minhas maiores façanhas futebolísticas se deu no verão de 1975. Consegui reverter um placar que estava nove a zero para o time oponente – no caso, o Júlio, meu primo, gordinho, filho da tia Ofélia e do tio Reny, uns dois anos mais velho do que eu. O jogo, um gol a gol furioso no corredor do prédio onde o Júlio morava, em São Léo, minha querida terra natal. Ia até 10, virando em cinco. E eu ganhei de dez a nove, do Júlio, meu primo, gordinho, dois anos mais velho do que eu.
Lembro de nós dois deitados na calçada em frente, após o embate, sem forças nem para subir um lance de escadas em busca do toddy geladinho que a tia sempre preparava pra gente, no fim da tarde.
Extenuado, eu só conseguia rir, olhando para o céu, agradecido.
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O Júlio, num estado mais lamentável que o meu, colocou a culpa do seu fiasco histórico na arbitragem – minha prima, a Mara, irmã dele, que tinha uma queda pelo priminho bonitinho aqui, é claro.
Eu tinha 10 anos!
É, eu já tive 10 anos. E também já fui bonitinho.
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No decorrer da vida, sempre que pinta alguma coisa que eu tenho que fazer e me parece impossível, eu lembro daquele jogo. Foi a vitória do “eu-acredito”, da perseverança, contra o “já-tá-ganho”, a soberba e acomodação.
O corredor do edifício era tão fino e comprido quanto um Chanceller, o cigarro da moda, cujo slogan publicitário até hoje provoca arrepios naqueles que compreendiam a malícia da campanha: “O fino que satisfaz”.
Eu, com dez anos, também era fino e comprido. Sem malícia!
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E tudo isso para dizer que não vejo mais a garotada jogando um gol a gol por aí, nos corredores dos edifícios, nas calçadas, parques, dentro de casa ou em qualquer outro espaço menos ou mais privilegiado, possível de ser adequado à prática do esporte bretão.
Antigamente, a gente jogava bola até no banheiro, e com o rolo do papel higiênico. Antigamente, qualquer coisa que rolasse virava bola.
E o meio da rua já foi um campo perfeito, com as laterais delimitadas pelos meios-fios das calçadas, tendo pedras e chinelos como traves de goleiras… A gente tabelava até com os carros que passavam…
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E a gente era muito feliz.
– Eu deixei!
– O que é que tu deixou?
– Aquele dez a nove no verão de 75, lembra? Eu deixei tu ganhar aquele jogo, de virada, no finalzinho…
– Nã, nã, não! Ganhei por méritos próprios… Lembro bem da tua cara de desespero quando eu cheguei aos nove a nove… Tu te arrastando que nem um lagarto raivoso pelo corredor… Sem essa! E por que tu me diria isso só agora, quarenta anos depois?
– É que eu quero uma revanche.
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