Passamos pelo vocabulário como se passássemos por uma floresta ou por um bosque. Sem intenção específica, não damos atenção a nenhum arbusto ou a nenhuma árvore. Nem sua essência, nem seus detalhes chamam a atenção. Ela é uma entre tantas, embora abrigue encantos e utilidades que só valorizamos quando algum interesse específico merece olhar especial: seu porte, seu formato, sua madeira, suas flores, seu eventual potencial medicinal, entre tantos.
Segundo o professor Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, a língua portuguesa tem em torno de 380 mil palavras a que se acrescentam algumas dezenas ou mesmo centenas por ano. Se consultarmos um dicionário de 1980, por exemplo, certamente não encontraremos o verbo deletar, hoje incorporado a nosso linguajar cotidiano. Ao examinarmos uma edição de 2023, certamente não está o verbo flopar, que agora virou moda. Um evento que flopou é evento fracassado em seus objetivos. As portas de crescimento do vocabulário nunca se fecham.
Se estacionarmos nossa atenção diante de uma das milhares de palavras de um dicionário, vamos nos deparar com surpresas de toda ordem. Há poucas semanas, ouvi a propaganda de um produto que utilizou o verbo cair. Aquilo me acendeu uma luz e comecei a refletir sobre o grande número de expressões em que utilizamos esse verbo. Comecei a anotar o que lembrava e não paravam de aparecer exemplos. Para pôr um pouco de ordem, pensei em criar algumas categorias com o intuito de distribuir os diversos sabores descobertos.
Publicidade
Na categoria dos aspectos positivos, coloquei cair nas graças, cair na risada, cair na folia (que é diferente de cair na farra), cair na gandaia, cair em cheio, cair do céu, cair bem, cair como uma luva… Diz-se que o jogador ou o treinador caiu nas graças da torcida. Quando o professor cai logo nas graças dos alunos, tem meio caminho andado para um trabalho exitoso. Se o vestido veste bem, cai bem no corpo da jovem senhora. Caiu como uma luva na equipe de trabalho.
No rol dos sentidos negativos ou temidos, podemos inserir cair na malha fina, cair em desgraça, cair duro, não tem onde cair morto, cair um raio, cair do cavalo (fracassar num projeto, por exemplo), cair num golpe, cair numa cilada ou numa armadilha, cair na vida, vai cair na prova(?), cair na rede (hoje também entendido como um território sem lei), cair na boca do povo, cair nos ouvidos (pode ter certeza de que é coisa ruim).
Algumas vezes remete a uma reflexão ou a uma surpresa como cair em si, fruto bom não cai longe do pé, cair na real, cair a ficha, cair os butiás do bolso (fica melhor como “caiu os butiá do bolso”), cair fora (cai fora enquanto houver tempo).
Publicidade
Os investidores gemem de dor quando a bolsa cai, os friorentos sofrem quando a temperatura cai (pior, quando ouvem que uma frente vai despencar a temperatura ou, ainda pior, vai derrubar a temperatura, parece que um tanque de guerra vem empurrando a Antártida).
Nos tempos que vivemos, com tanto apelo de consumo, com tantas discórdias, com tanto rancor, com tanta intolerância, precisamos demais estar atentos para não entrarmos nessa onda, para não cair em tentação.
LEIA MAIS TEXTOS DE ELENOR SCHNEIDER
Publicidade
quer receber notícias de Santa Cruz do Sul e região no seu celular? Entre no NOSSO NOVO CANAL DO WhatsApp CLICANDO AQUI 📲 OU, no Telegram, em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça agora!