A Polícia Civil finalizou, na tarde da sexta-feira, 29 de abril, o inquérito sobre os chamados golpes da casa própria, revelados com exclusividade pela Gazeta do Sul e que lesaram dezenas de moradores de Santa Cruz do Sul no último ano. O crime, que configura estelionato, consistia em fechar contratos de construção, cobrar adiantado e não entregar a obra.
Embora existam inúmeras empresas sérias no ramo da construção civil no município, a Polícia Civil e o Ministério Público vêm investigando, ao longo dos últimos meses, a conduta de uma construtora em específico, da Zona Sul da cidade, identificada por aplicar golpes em clientes. De acordo com a investigação da 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP), a quadrilha era composta por um casal (um homem de 37 anos e uma mulher de 35) que era proprietário da empresa, e por dois jovens, de 22 e 25 anos, que auxiliavam a dupla. Os quatro são acusados de estelionato e associação criminosa.
“Conseguimos angariar elementos de uma sequência de golpes aplicados a muitas vítimas, que pagavam por obras que eram iniciadas e não concluídas”, explicou o delegado Alessander Zucuni Garcia, responsável pela investigação. “Eles muitas vezes ofertavam preços abaixo do que era praticado no mercado, para atrair mais clientes, que eram vítimas dos golpes”, complementou o delegado. Ao todo, 22 ocorrências foram registradas, que embasaram o inquérito policial de 587 páginas.
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Santa-cruzense perde economia de 24 anos
“Foi um dinheiro economizado há mais de 24 anos para realização do nosso sonho. Esse sonho nos foi tirado e tenho certeza que nunca mais vai ser realizado. Será que vou viver ainda 24 anos para levantar esse dinheiro de novo?” Esse desabafo reflete o drama vivido por um santa-cruzense de 42 anos, que teve todas as economias – R$ 350 mil – levadas pela quadrilha indiciada nessa sexta-feira.
Os primeiros casos do tipo foram revelados com exclusividade pela Gazeta do Sul, na edição de 16 de janeiro deste ano. Desde então, dezenas de vítimas buscaram suporte nos órgãos públicos, a fim de reaver valores perdidos. O caso do homem de 42 anos, que prefere não ter o nome revelado por medo de represálias, teve início em agosto de 2021. Após fechar a contratação com valor em dinheiro, mais dois carros e uma camionete, a empresa em questão levantou duas paredes de tijolos no terreno disponibilizado pela família. Em setembro do mesmo ano, os pedreiros foram embora e não voltaram mais. Deixaram brita e areia em frente ao local.
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“Quando a gente começou a ligar para o dono da empresa, ele já não atendia mais. A gente chegou a ir na casa dele, a esposa atendia e sempre dizia que ele não estava.” A vítima, que é uma das que prestaram depoimento à Polícia Civil e ao Ministério Público, relatou que ela e a família passaram o Natal e Ano Novo sem casa e sem dinheiro. “Hoje vivemos de aluguel e endividados. Com todo o valor que perdemos, não sobrou para pagar as contas. Tivemos que pedir dinheiro emprestado para familiares e amigos.” O homem de 42 anos revelou que entrou em depressão profunda.
“Tive ataque de pânico nas noites, acordando com o coração acelerado. Tomo remédios controlados e hoje eu choro muito por saber que perdi tudo que tinha e o sonho da minha família. É muita injustiça. Eu sei que não vou mais ter meu dinheiro e minha casa, mas se prendessem eles, talvez a dor da nossa perda poderia ser amenizada”, finalizou.
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Empresa teria lucrado mais de 1,16 milhão com esquema
A justificativa dos donos da empresa às vítimas, de que problemas financeiros inesperados teriam prejudicado a entrega das obras, não convenceu a polícia. “Não foi uma má administração da empresa. Temos diversos elementos apurados que mostram que eles não tinham mais condições financeiras, estavam cientes disso, de que não conseguiriam dar andamento nas obras já contratadas, e mesmo assim, continuavam captando novos clientes. Nesse sentido, ficou evidente que agiram com consciência nos fatos”, explicou o delegado. Foi apurado que a empresa lucrou mais de R$ 1,16 milhão com o esquema.
“Esse é um valor aproximado. Certamente há outros valores de vítimas lesadas em outros municípios por eles”, disse Alessander. A pena de prisão para associação criminosa é de um a três anos. Para estelionato, a detenção pode ser de um a cinco anos. Dos quatro indiciados, o proprietário foi o único não localizado para ser interrogado pela Polícia Civil. Embora já tenha sido ouvido na Promotoria, atualmente está em local incerto.
Os nomes dos quatro indiciados, bem como da empresa investigada, não foram revelados. O inquérito segue agora para o Ministério Público e Poder Judiciário, que irão analisar as providências cabíveis.
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Promotor Barin interrogou dono de empresa
Os casos de golpes da casa própria continuam sendo monitorados também pelo Ministério Público (MP), responsável por um inquérito civil. Conforme o promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, 33 vítimas foram identificadas e o prejuízo chega a R$ 1,2 milhão, conforme comprovação de pessoas que demonstraram, em contratos, que pagaram por obras não recebidas. “Algumas não apresentaram comprovantes, mas declararam que fizeram pagamentos. Computando esses outros casos, daria mais de R$ 2 milhões”, comentou Barin.
A Gazeta teve acesso ao inquérito civil e apurou que o casal responsável e uma outra pessoa que trabalhou na empresa prestaram depoimento ao MP. Dos três, apenas o dono da construtora assumiu ter ciência dos fatos e alegou que houve dificuldades financeiras na empresa. Disse que, em virtude da pandemia e outros fatores, não teria conseguido honrar com os compromissos e, por causa disso, muitas pessoas pagaram por obras que não receberam.
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A mulher dele e uma outra pessoa investigada negaram qualquer participação nos casos, já que, segundo eles, o poder de decisão das ações seria exclusivo do proprietário. “Mais detalhes eu prefiro não revelar até o final da nossa investigação. Havendo algum acordo ou ajuizamento de alguma ação, tornarei pública a atuação do Ministério Público”, concluiu o promotor.
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