Nós a encontramos em sua residência em São Raimundo Nonato, cidade de 38 mil habitantes situada a sudeste do Piauí. Apoiada em sua bengala, Niède Guidon ergueu-se da cadeira junto à escrivaninha. Rodeada por gatos, nos sorriu de um jeito simples e acolhedor. Ao convite da voz serena, passamos rapidamente das apresentações para a eternidade do momento. Ali estava ela, a pesquisadora reconhecida internacionalmente. Venerantes, sorvemos cada gesto, todo olhar e a palavra completa da idealizadora, criadora e implementadora do Parque Nacional Serra da Capivara, oficializado em 1979.
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Parque situado na Caatinga, quase sempre descrita como uma região semiárida do nordeste brasileiro. Talvez seja melhor acrescentar a palavra “deslumbrante” ao bioma relacionado ao clima seco. Basta uma chuva para que a “perna de ema”, aparentemente ressequida, verdeje de pronto. Ao parque cabem muitos outros adjetivos, como surpreendente e misterioso. Condições percebidas por Nièdi, já nos anos de 1960. Em 1963 tomara conhecimento da existência das inscrições e gravuras rupestres na Serra da Capivara, que agrega relevos de chapadas, desfiladeiros, boqueirões e baixões. A partir de 1970, a ilustre cientista passa, definitivamente, a descrever, registrar e catalogar os achados arqueológicos e paleontológicos. Atualmente, mais de 1.300 sítios encontram-se cadastrados nos 129,14 mil hectares que compõem o Parque e Áreas de Preservação do entorno. Quem visita o “Museu da Natureza”, o “Museu do Homem Americano” e percorre os circuitos dos vestígios humanos, dificilmente imagina o quanto de conhecimento, persistência e empenho preservacionista estão ali impressos.
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Nada foi fácil para Niède. No início, as pessoas não a entendiam e dela desconfiavam, quando não a confrontavam. Ela entendeu que, para preservar toda essa incomensurável riqueza, precisaria criar mecanismos de apoio. Uma de suas iniciativas foi viabilizar um apiário. Logo, mais de mil colmeias, instaladas no entorno do que seria o parque, demonstrariam que a área preservada poderia render mais do que se fosse destruída.
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Cláudio Mota, 55 anos, nascido na área do parque, trabalha com 500 colmeias ao tempo em que se dedica também a um restaurante que recebe turistas. Se diz feliz pela oportunidade revelada por Niède, ainda que lamente não ter sido adequadamente indenizado, pois sua família de há muito vivia na área transformada em Unidade de Conservação Integral. Por sua vez, Ildemar França da Silva, 63 anos, confirma: “Ela provou que funciona, e funciona”. Afirmação secundada por seu amigo Vanderlino de Oliveira, 54 anos, que trabalhou diretamente com Niède, tendo recebido dela o diploma de apicultor.
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A naturalista garantiu a preservação ambiental e arqueológica, em legítimo ganho coletivo. “Eles entenderam que o parque preservado gera trabalho e turismo,” nos ensina. Há um sentimento comum de que as pessoas se encontram melhor situadas do que antes.
Ali estávamos nós, também a Vera e a Betina, mãe da Camille, na rápida meia tarde do dia 9 de junho. Fascinados, sob os olhos glorificados de Niède, nos despedimos.
Beijei a mão da arqueóloga, de 90 anos de idade, como quem afaga o futuro.
Dedicatória:
– em memória dos arqueólogos Pedro Mentz Ribeiro e esposa Catarina;
– ao Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (Cepa), da Unisc;
– ao Museu do Colégio Mauá;
– àqueles que se dedicam à preservação arqueológica, paleontológica e ambiental.
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